Contrariando os prognósticos pessimistas sobre o mercado aéreo brasileiro, sobretudo pelos terríveis números apresentados entre abril e junho, os números atuais sugerem que o Brasil lidera a retomada do setor aéreo, ao menos no que se refere ao mercado doméstico.
Matéria do Flightradar24
Na semana passada, foi publicada uma matéria no Flightradar24, mostrando um grande otimismo com a recuperação do setor aéreo no Brasil, especialmente no mercado doméstico.
A matéria, cujo título é “Brazil leads the way? Here’s what the data says” (“O Brasil lidera o caminho? Aqui está o que mostram os dados”), é assinada por Gabriel Leigh, um experiente colunista que ostenta no currículo, dentre outras, publicações sobre viagens e aviação, em veículos de peso como The New York Times e Forbes.
Na matéria, Leigh aponta ter ouvido rumores de que a demanda de voos comerciais no Brasil, estaria se recuperando mais rapidamente do que em outros países do ocidente. Ele usa dados de investigação do Flightradar24, relativos a outubro e novembro, e diz ter encontrado informações interessantes.
- Demanda ainda baixa, mas com viés de recuperação
Foram analisados os dados do acumulado de decolagens de outubro e novembro, em comparação com o mesmo período do ano passado, assim como em relação aos meses precedentes deste ano.
O Brasil teria registrado, segundo dados do Flightradar24, 73.530 voos no bimestre avaliado, o que representaria uma queda de pouco mais de 42%, comparado aos 126.945 voos do mesmo período do ano passado.
É uma queda dura, mas bem menor do que a vista nos meses precedentes.
E o melhor é o viés de alta mostrado pelos números. Como dito, no acumulado do bimestre outubro-novembro, a queda é de 42%. Contudo, a analisar os dados isolados de novembro, tem-se um recuo de 37%, em relação a novembro de 2019.
Ainda é um número alto, mas, mantendo-se essa tendência de redução progressiva, o prognóstico é animador e demonstra que o Brasil é um dos países onde está ocorrendo um dos melhores índices de recuperação do setor aéreo.
- A força do mercado doméstico
O estudo aponta um desempenho especialmente bom no reaquecimento do mercado aéreo doméstico, tendo em vista que, com a maior parte das fronteiras ainda fechadas, não houve, até o momento, condições de retomada significativa dos voos internacionais.
Dentre os fatores que têm contribuído para impulsionar a retomada da demanda doméstica, é mencionado o fato de haver muitas cidades distantes no Brasil, cuja ligação aérea é, não raramente, o único meio viável de acesso.
Aliás, é citado o caso de Altamira, no Pará, cidade para a qual a Azul operou 30 voos entre outubro de novembro de 2019. Agora, em plena pandemia, foram realizados 58 voos para a cidade, em idêntico período.
- Azul mostra desempenho especial
O estudo aponta uma tendência de recuperação das três grandes companhias aéreas nacionais. Dentre elas, contudo, é citado como destaque, o desempenho da Azul, que teve uma recuperação acima da média das demais, no período avaliado.
De fato, no corte outubro-novembro, a Azul apresentou recuperação de 77% das operações do mesmo período de 2019, enquanto a GOL realizou 53,2% do que havia operado nesse período de 2019, e LATAM, apenas 48,3%.
Os números do bom desempenho da Azul, foram traduzidos em diversas matérias que postamos nas últimas semanas, sobre a retomada e/ou implantação de rotas pela companhia, a exemplo do post em que informamos que o hub de Recife seria o primeiro a retomar 100% da capacidade operacional, o anúncio de 57 voos extras para o feriado de 12 de outubro, assim como o anúncio de voos para Ubatura, Búzios, Parati e mais 9 destinos.
- Mercado internacional
Relativamente ao mercado internacional, infelizmente não temos a mesma pujança, e não poderia ser diferente.
Com a maioria das fronteiras fechadas, grande parte das viagens para o exterior teve que ser cancelada e/ou adiada, resultando numa baixíssima demanda por voos internacionais.
Aliás, nesse período pesquisado, o destaque negativo foi para a American Airlines, que operou apenas cerca de 25% do volume de voos que havia realizado no mesmo período de 2019.
Em situação intermediária, temos a TAP Air Portugal, que só realizou cerca de 40% do volume de voos do mesmo período de 2019, ou seja, das 1300 decolagens que fez partindo do Brasil entre outubro e novembro de 2019, só conseguiu realizar 515, no mesmo período de 2020.
Na outra ponta, temos a Qatar Airways, que manteve números muito próximos ao que ostentou em 2019, operando 214 voos entre outubro e novembro de 2020, o que representa cerca de 71% dos voos operados nesse período, em 2019 (números referidos originalmente na reportagem aqui mencionada, que possivelmente consideram voos de passageiros e voos de carga).
A nossa análise de dados
Como a reportagem é centrada na análise de número de voos, sem distinguir o transporte de passageiros, confrontamos esses números com dados oficiais do site da ANAC (área de pesquisa pública), bem como com informações colhidas no site do Bureau of Transportation, do Departamento de Transportes dos Estados Unidos, para fins comparativos.
Analisando os dados da ANAC
Em primeiro lugar, buscamos dados que validassem a avaliação de que o mercado aéreo brasileiro mostra sinais claros de recuperação. Para tanto, consultamos os dados oficiais constantes do site da ANAC.
Ainda que sob outro prisma, podemos dizer que os dados, de fato, apontam para uma clara tendência de recuperação do nosso mercado de voos domésticos.
- Indícios de recuperação progressiva a partir de junho de 2020
Dos dados oficiais de transporte de passageiros pagos, constantes das estatísticas oficiais da ANAC, é possível verificar uma progressiva e consistente tendência de recuperação do mercado aéreo doméstico, a contar do mês de junho de 2020.
Após um baque colossal, que atingiu sua base em abril, quando houve uma depressão de quase 95% no número de passageiros transportados, houve uma tímida recuperação em maio. Contudo, a contar de junho, iniciou-se um ciclo virtuoso de recuperação, com índices de melhora de performance crescentes, sucessivamente a cada mês, como se vê da tabela acima.
Infelizmente, os dados oficiais ainda não contemplam os dados de novembro, mas até outubro, já é possível encontrar dados que validam as conclusões aqui apontadas, que corroboram o que se diz na matéria do Flightradar24.
Basta ver que partimos do tímido percentual de apenas 12,7% da demanda doméstica em junho (comparado a junho de 2019), para atingirmos, em outubro, quase 49% da demanda de outubro de 2019.
E a tirar pelas informações trazidas na reportagem do Flightradar24, em novembro teremos números bastante superiores, possivelmente próximos a 60% da demanda de novembro e 2019.
- O desempenho de Azul, GOL e LATAM
Ao analisarmos os dados estatísticos mostrados no site da ANAC, relativamente ao ranking das empresas, por número de passageiros pagos transportados em voos domésticos em outubro de 2020, temos o seguinte quadro:
GOL liderando em termos absolutos, com 37% dos passageiros pagos, seguida da Azul, com 32,9% e LATAM, com 28,8%.
A GOL já ostentava a liderança em 2019, então não há uma melhora de performance. A LATAM, por outro lado, premida pela necessidade de redução de frota e enxugamento da malha, em decorrência do Pedido de Recuperação Judicial perante as autoridades americanas, amargou uma considerável redução em sua participação no Market Share, o que a derrubou para o terceiro lugar.
O destaque, assim, vai para a Azul, que aparece em segundo lugar em números absolutos – com 1.349.706 passageiros pagos – com 32,91% do mercado doméstico.
Considerando que a Azul fechou 2019 em terceiro lugar, bem atrás de LATAM e GOL, nesse quesito (passageiros pagos), isso confirma os dados relativos ao número de voos mostrados no Flightradar24, apontando que a recuperação da Azul está ocorrendo em patamares superiores aos de GOL e LATAM.
Deve-se registrar, contudo, que apesar do melhor desempenho da Azul, GOL e LATAM também mostram níveis de recuperação acima da média mundial.
- Da estagnação da demanda internacional
Os números oficiais da ANAC, por outro lado, mostram um quadro desolador em relação à demanda aérea internacional.
É bem verdade que, comparando-se os 2,1% dos passageiros transportados em abril, frente a abril de 2019, os 9,7% dos passageiros transportados em outubro, em relação a outubro do ano anterior, indicam uma larga expansão percentual.
Contudo, essa redução superior a 90% da demanda internacional, tem impacto devastador sobre o faturamento de companhias internacionais com forte atuação no Brasil, a exemplo da TAP, com indesejáveis repercussões, inclusive, no mercado de trabalho do setor.
A luz do fim do túnel é o início da vacinação na Europa e Estados Unidos, o que poderá significar, em pouco tempo, a reabertura das fronteiras desses países, permitindo uma recuperação mais expressiva dessa demanda internacional, tão drasticamente reprimida até aqui.
Comparativo com dados dos EUA
Buscando um padrão comparativo que possa validar a afirmação da boa performance do setor aéreo brasileiro, colhemos dados estatísticos do Bureau of Transportation, do Departamento de Transportes dos Estados Unidos, que traz dados do maior e mais forte mercado mundial de aviação.
Não há, ainda, dados oficiais relativos ao mês de outubro, de modo que vamos recuar a comparação para o mês de setembro.
- Dados de setembro
O Brasil apresentava, em setembro, conforme os dados da ANAC, uma depressão na demanda da ordem de 60%, comparado ao mesmo mês do ano anterior.
Nesse mesmo mês, o mercado de aviação americano mostrava um recuo de 65% em relação a setembro de 2019.
À primeira vista, com a análise isolada dos números, não teríamos uma diferença significativa a favor do mercado brasileiro, a autorizar a ilação de que seriámos um paradigma de sucesso na tendência de recuperação do setor aéreo.
- Evolução de agosto para setembro
Quando comparamos, contudo, a melhora de performance de agosto para setembro, vemos que tivemos um desempenho bem melhor: incremento de 39,1% no índice de recuperação de demanda, contra incremento de 13,8% no percentual de recuperação do mercado americano.
- Variação junho-setembro
Apesar da boa vantagem percentual da melhora de índices entre agosto e setembro, em favor do mercado brasileiro, o que mostra a grande melhora de desempenho da aviação tupiniquim, é o comparativo do período de junho a setembro.
No acumulado desse período, a demanda americana saiu da casa de 15,4 milhões de passageiros pagos transportados em junho, para 27,1 milhões em setembro, o que representa uma melhora de desempenho, em termos percentuais, da ordem de 75,97%.
No mesmo período (junho a setembro), a demanda brasileira pulou de tímidos 888.737, passageiros pagos transportados, para 3.058.922, com um colossal aumento percentual de 244,19%.
Evidente que, em números absolutos, estamos muito atrás dos números americanos.
O que estamos tratando, entretanto, é de recuperação de mercado, e nesse quesito, os números mostram que estamos tendo um desempenho infinitamente melhor que o do mercado aéreo dos Estados Unidos, o que nos dá fundadas esperanças de que podemos estar assistindo à efetiva recuperação do nosso setor aéreo.
Aumento dos casos de COVID-19
Não podemos deixar de considerar, entrementes, que o aumento dos casos de Covid-19 nos últimos dias, pode ter impacto negativo nesse crescente ritmo de recuperação da demanda aérea do mercado doméstico brasileiro.
Considerando, por outro lado, que esse processo de piora dos casos e Covid-19, é um fenômeno que já vem ocorrendo há algumas semanas, sem aparente repercussão sobre a programação de voos, ao menos até aqui, há boas chances de que continuemos ter a continuidade desse processo de recuperação do mercado doméstico de aviação.
Comentário
Os números trazidos pelo colunista do Flightradar24, assim como os por nós investigados nas plataformas oficiais da ANAC e do Bureau of Transportarion dos Estados Unidos, nos dão a firme esperança de que o mercado aéreo doméstico brasileiro, parece ter uma resiliência muito maior do que apontavam as previsões do primeiro semestre.
Confirmada essa tendência, poderemos ter a plena recuperação do setor, em lapso de tempo muito inferior ao que imaginávamos, o que pode representar o fortalecimento das três maiores empresas brasileiras (Azul, GOL e LATAM), acima como de todo o mercado aéreo nacional.
Ficamos na torcida para que os números sigam nessa direção.
Para ler a matéria do Flightradar24, clique aqui.