O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em acórdão publicado em 07/12, que os pontos em programas de fidelidade não são transmissíveis aos herdeiros ou sucessores. A medida se aplica em caso de cláusula contratual vedando essa operação.
*Antes de tudo, é importante dizer que a presente matéria tem cunho exclusivamente informativo, sem qualquer pretensão de se caracterizar como manifestação jurídica. Eventual utilização de terminologia técnica dá-se pela especificidade do caso analisado.
Entenda o caso
Trata-se de decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao Recurso Especial interposto pela TAM (LATAM) para reformar as decisões proferidas nas instâncias ordinárias na Ação Civil Pública movida em 2014 pela Pro Teste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. Nelas, era declarada a abusividade da cláusula do contrato de adesão, que prevê a extinção do saldo de pontos no programa em caso de óbito do titular, sem direito à transmissão para herdeiros ou sucessores.
Na primeira instância, os pedidos haviam sido amplamente atendidos, com proibição de qualquer alteração de regras do programa sem comunicação prévia de 90 dias, além do direito à transmissão sucessória ou hereditária, em caso de óbito do titular do programa. Todavia, finalizado o debate no TJ-SP, a TAM (LATAM) interpôs Recurso Especial para o Superior Tribunal de Justiça, que foi autuado sob a numeração Nº 1878651 – SP (é possível consultar na página do tribunal na internet clicando aqui).
Devidamente processado, foi dado provimento ao Recurso Especial e, por unanimidade, concordaram que inexiste abusividade nas cláusulas de contrato de adesão a programa de fidelidade por se tratar de contrato gratuito e cujas vantagens decorrentes beneficiam eminentemente o cliente. Com base nesse entendimento, ficou decidido, então, que é válida a cláusula do contrato de adesão ao Programa TAM (LATAM Pass) que proíbe a transferência, por herança ou sucessão, de saldo de pontos no caso de óbito do titular da conta.
A situação está definitivamente resolvida?
Em consulta ao Superior Tribunal de Justiça na internet, pode-se ver que o Ministério Público – atual autor da ação -, somente foi intimado no último dia 17/10. Ou seja, ainda há prazo para recurso, inclusive eventual Embargos de Declaração, com vistas a esclarecer eventuais pontos contraditórios ou obscuros.
Sem adentrar na seara técnica, não parece haver muita margem para mudança da decisão pela própria turma, não apenas pelo julgamento unânime, mas também porque o relatório já tratou de outras questões ligadas à parte dos pontos advindas de outras fontes, como do Clube LATAM Pass. Isso não impede, de todo modo, que o Ministério Público busque elevar o debate para a Segunda Seção do STJ, através de Embargos de Divergência, caso encontre fundamento que permita o trânsito desse recurso.
Noções sobre composição e competência do STJ
O Superior Tribunal de Justiça é o órgão judicial que tem a palavra final em matéria de interpretação do direito infraconstitucional no Brasil, sendo permita a utilização do Recurso Extraordinário ao STF somente quando se identifica ofensa direita à Constituição. Desse modo, é importante saber que o debate se encerra no STJ em matérias como as tratadas no processo aqui noticiado.
A decisão foi proferida pela Terceira Turma, que compõe a Segunda Seção do STJ. Dessa decisão, de ordinário, somente caberá Embargos de Divergência para a Segunda Seção, acaso o Ministério Público – atual titular da ação – logre apresentar decisão proferia pela Quarta Turma, ou da própria Segunda Seção, que seja contraditória à adotada nesse julgamento.
Outra hipótese seria, ao apreciar eventuais Embargos de Declaração do MP, a Terceira Turma, dando efeitos infringentes, entender pela relevância do debate. Desse modo, remeteria o caso para julgamento direto pela Segunda Seção (hipótese altamente improvável na espécie, mas possível teoricamente), antecipando-se a eventual divergência entre turmas.
Ademais, mesmo que o processo transite em julgado, ainda haveria a possibilidade de que, em outro processo pendente de apreciação na Quarta Turma, venha a ser acolhida tese conflitante, o que poderá abrir, no futuro, caminho para elevar o debate para a Segunda Seção. Assim, não podemos dizer que a discussão esteja encerrada. Longe disso!
Possíveis reflexos
Além da questão principal debatida no julgamento do Recurso Especial, que é a vedação à transferência dos pontos para herdeiros e sucessores, o fundamento central acolhido pelo STJ pode gerar reflexos sobre outras questões sensíveis no universo de milhas e pontos. Não há como não lembrar do debate acerca da comercialização de milhas e pontos, prática amplamente realizada e expressamente vedada nos contratos dos programas de fidelidade.
A prevalecer o entendimento adotado, ao menos no que tange às milhas e pontos advindos de atividades não diretamente onerosas, as cláusulas proibitivas de comercialização de milhas e pontos, presentes em todos os programas de fidelidade, seriam perfeitamente válidas e eficazes. A decisão do Superior Tribunal de Justiça pode se constituir num importante precedente jurisprudencial e funcionar como um balizador para os tribunais e turmas recursais, mormente pela possibilidade de se levar o debate ao STJ, em outros processos.
Comentário
A decisão é deveras relevante e pode ser um divisor de águas em um tema que evoca debates acalorados, que é a patrimonialidade e direito irrestrito de disposição dos nossos acervos de milhas e pontos. Particularmente, acho que a matéria ainda vai render muita discussão. Por exemplo, questões como limitações aos atributos de uso e disposição de bens, mesmo quando considerados propriedade, podem ainda agregar complexidade a esse debate.
Uma coisa entendo positiva: que o tema tenha alcançado o STJ. Por mais que demore uma definição daquele pretório, finalmente poderemos ter uma estabilização sobre a interpretação da validade e limites das cláusulas contratuais e os direitos dos clientes fiéis.
E você, o que pensa sobre o tema?
Ressalto, mais uma vez, que todo o acima exposto se trata de opinião pessoal desse edito, sem qualquer pretensão técnica.