Hoje temos mais uma matéria #TBT do PASSAGEIRO DE PRIMEIRA (ThrowbackThursday) – A história dos hidroaviões argentinos!
Nesta série de relatos, reportagens, e avaliações, vamos trazer um gostinho nostálgico para o PP! Mostraremos como era experiência de voar em aviões antigos, reportagens, cias aéreas extintas, curiosidades e muito mais.
Mais uma vez, obrigado a Revista FLAP por compartilhar o acervo conosco!
#TBT desta Semana!
No reinício dos voos comerciais no mundo, após a guerra, um empresário argentino acreditou nos hidroaviões como forma de executar voos transatlânticos e encomendou uma frota que chegou a voar para o Brasil.
Esperamos que gostem, confira!
Ao fim da II Guerra Mundial ainda existia uma escassez de aeroportos bem equipados no mundo, e havia uma discussão sobre qual o papel que os hidroaviões teriam dentro da evolução do transporte aéreo comercial. E nos Estados Unidos, com a grande disponibilidade dos DC-3 e DC-4 – na época rapidíssimos, a Constellation encerrou rapidamente a dúvida sobre a utilidade dos hidros.
Mas na Grã-Bretanha, ainda existia a tradição de voos dentro do Império Britânico, onde a exclusividade de serviços permitia utilizar hidroaviões. Além disso, a experiência de voar em aviões com salas de jantar, bares e outros confortos oferecia um argumento favorável aos apreciadores dos aerobotes.
Na verdade, antes da guerra os hidroaviões haviam criado um mito de conforto e qualidade de serviços nas principais rotas aéreas mundiais. Na época, as viagens aéreas eram uma prerrogativa dos ricos e influentes que tinham possibilidade de pagar as elevadíssimas tarifas disponíveis, e que eram assim os únicos a ter o privilégio de voar.
Na Argentina, ao término do conflito um grande empresário local, Alberto Dodero, possuía uma companhia de navegação marítima e decidiu criar uma empresa aérea denominada Compañia Argentina de Aeronavegación Dodero S.A.
O empresário argentino queria começar as operações rapidamente e encontrou no Reino Unido a disponibilidade de entregas a curto prazo.
A direção da nova empresa parecendo acreditar na tradição e na viabilidade dos hidroaviões encomendou inicialmente quatro Shorts Sandringham (seguidos de outros dois), para iniciar serviços aéreos com a bandeira argentina para a Europa, Estados Unidos e países limítrofes.
Apesar de acreditar nos hidros, Dodero encomendou também aviões de base terrestre como o DC-3 e DC-4, parecendo se precaver para qualquer eventualidade que surgisse (como ocorreu) na evolução do transporte aéreo.
Os três Sandringham iniciais receberam os nomes Argentina, Uruguay e Paraguay, tinham motores P&W R-1830-92 e o fabricante os designou Short S-25. Os dois aviões seguintes foram batizados de Brasil e Inglaterra e o sexto e último era na realidade um Sunderland que teve um interior luxuoso instalado.
O S-25 Argentina foi o primeiro a ser entregue e o translado foi realizado ainda com a insígnia da BOAC e tripulantes britânicos. O avião chegou em Buenos Aires no dia 25 de novembro de 1945, após percorrer 11.800 km desde Poole, na Inglaterra, em 45 horas e 47 minutos de voo. Este hidroavião fez um voo ao Rio de Janeiro no dia 16 de janeiro de 1946 com fins publicitários, no qual foi transportado um novo cardeal argentino e diversos bispos.
Os Sandringham argentinos tinham duas configurações de interiores. A mais luxuosa (projetada para a Dodero) tinha no piso inferior 21 largas poltronas reclináveis distribuídas em quatro cabines, dois toaletes, espaço para bagagem e carga. O andar superior, que era acessado por uma escada que partia da cabine inferior traseira, oferecia uma ampla sala de jantar com duas mesas para quatro pessoas (as refeições eram servidas em turnos), um bar e uma ampla “galley” equipada para servir refeições quentes. Durante o voo, era possível subir as escadas, tomar um cocktail no bar e jantar numa das mesas disponíveis. A cabine de comando era especialmente espaçosa, estando localizada na parte da frente do piso superior. Além dos postos para o comandante e o copiloto, contava com mesas de trabalho separadas para o rádio operador, o navegador e mecânico de voo e leitos para descanso dos tripulantes.
A outra configuração interna dos Sandringham argentinos tinha 45 largas poltronas reclináveis nos dois andares, mas mantinha o bar em cima. Essa versão era prevista para os voos sul-americanos, enquanto a outra antes descrita deveria ser empregada em viagens transcontinentais.
A altitude de cruzeiro dos Sandringham era baixa (normalmente entre 800 e 1.600 metros), permitindo que os passageiros tivessem (desde que as condições atmosféricas permitissem) uma visão total das áreas sobrevoadas.
Em fins de 1945 e início de 1946, ocorreram entretanto mudanças estruturais importantes na aviação argentina, quando foi estabelecida a Secretaria de Aeronáutica. Foram criadas empresas de economia mista (capital privado e estatal) que passaram a dividir áreas exclusivas de atuação no setor doméstico. O governo decidiu que todas as rotas internacionais deveriam ficar sob o controle do Estado através da empresa recém-criada denominada FAMA (Flota Aérea Mercante Argentina), que voaria também rotas domésticas. Apesar de juridicamente ela ser de economia mista.
Alberto Dodero que já realizara vastos investimentos em aviação, em especial em equipamentos e infraestrutura, não aceitou pacificamente a mudança, e através dos jornais mostrou de forma dura sua insatisfação, criando polêmica com o secretário da Aeronáutica.
No dia 15 de fevereiro de 1946, uma semana depois da criação da FAMA, um Sandringham (ainda com prefixo britânico G-AGPY) de nome Brasil iniciou em Montevidéu um voo exploratório para os Estados Unidos, com escalas no Rio de Janeiro, Natal, Trinidad, Bermudas, até chegar a Baltimore (Maryland). O voo de regresso partiu no dia 9 de março e o avião após o término da viagem ficou parado em Montevidéu, dando origem as discussões sobre se Dodero iria criar uma subsidiária no Uruguay.
A vida política da Argentina evoluía e a eleição para presidente de fevereiro de 1946 levou ao poder Juan Domingo Perón. O novo governo foi empossado no mês de junho do mesmo ano e Dodero tinha ligações importantes entre os novos dirigentes. Mas, ao invés de obter o direito de fazer linhas internacionais, ele foi convencido a desistir de suas ambições. A nova administração concordou em recompensá-lo pelos investimentos já feitos em aviões e infraestrutura, e a FAMA adquiriu assim os 9 DC-4 de Dodero. E ele recebeu a permissão para adquirir o controle da Corporación Sudamericana de Serviços Aéreos S.A. , que já existia desde 1933, voando para Montevidéu e seguindo o curso dos rios Paraná e Paraguai até Assunção. A Corporación, por sua vez, acabou sendo absorvida por uma das novas empresas de economia mista denominada ALFA (Aviación del Litoral Fluvial Argentino) onde Dodero também mantinha o controle. A ALFA passou a operar as linhas de hidros e com os DC-3 servia cidades de áreas não banhadas pela Bacia do Prata.
A FAMA alugou a Dodero dois Sandringham (os batizados de Inglaterra e Brasil). E em junho de 1946, um Sandringham (Inglaterra) efetuou uma viagem experimental da Argentina para a Grã-Bretanha, com escalas no Rio de Janeiro, Natal, Bathurst, Lisboa e tendo como destino Poole (Inglaterra).
Nas duas ocasiões em que fizeram voos transcontinentais , os Sandringham argentinos pousaram na Baia da Guanabara, e criaram a expectativa de que as viagens nos hidroaviões ainda teriam um futuro.
Os dirigentes da FAMA tinham, entretanto, outros objetivos e já haviam adquirido cinco quadrimotores Avro York, com 24 poltronas, na Grã-Bretanha para iniciar os voos para a Europa. Os York, entretanto, eram aviões derivados do bombardeiro Lancaster e sua confiabilidade operacional era limitada, sendo substituídos logo nas linhas intercontinentais pelo DC-4 que Dodero havia escolhido.
Os Sandringham, com seus luxuosos interiores, passaram a fazer voos sul-americanos. No final de 1946, operavam na Corporación/ALFA cinco Sandringham e um Sunderland (dotado de interior de passageiros e com prefixo LV-AAS).
O emprego dos hidros da Short somente em rotas sobre a Bacia do Prata deixou os passageiros brasileiros privados dessas aeronaves especiais, mas os argentinos tiveram a oportunidade de voar neles por longos anos.
Ao longo de sua vida útil foram utilizados nove Short na Argentina, sendo seis Sandringham e três Sunderland. Mas a frota foi desfalcada de aviões por um acidente em 1947 e outros incidentes. Apesar desses aviões terem sido logo substituídos, nunca mais seis hidros operaram ao mesmo tempo naquele país.
Em 1949, o governo argentino decidiu unificar as operações das empresas de economia mista sob as asas de uma única estatal denominada Aerolíneas Argentinas, onde os Sandringham/Sunderland continuaram a voar.
Os aviões da Short, mesmo operando voos de curta duração e com 45 lugares, mantiveram na Argentina a reputação de aviões confortáveis e desejados pelos passageiros que tiveram a experiência de neles voar.
Sua retirada de serviço ocorreu no início de 1962, quando a Aerolíneas implementou um plano de modernização de frota através do qual os DC-3, DC-4, DC-6 e hidroaviões foram substituídos por jatos e turboélices.
Os Sandringham sobreviventes ficaram um longo período apoitados no Rio da Prata, próximos à Dársena Norte, onde podiam ser vistos com ares de abandono em fins de 1962. Cinco anos depois foram rebocados para outro local onde foram desmontados. Uma era da aviação sul-americana chegara ao fim.
A História do Short Sandringham
A história dos grandes botes voadores da Short teve início em 1935, quando o governo britânico decidiu transportar todo o correio de primeira classe por via aérea sem cobrar taxas adicionais, dentro dos limites do império.
Esta medida, influenciada pela Imperial Airways, criaria maior demanda para o transporte aéreo, e levou o fabricante hoje sediado em Belfast a projetar hidroaviões moderníssimos para a época, que eventualmente foram escolhidos para cobrir as rotas imperiais transportando mala postal, passageiros e cargas.
A Imperial Airways, antecessora da BOAC, após avaliar o projeto da Short encomendou 28 aviões designados S-23 C Class, antes mesmo do primeiro voo. O primeiro S-23 voou e foi testado em 1936, mostrando bom desempenho e demonstrando que a escolha da Imperial havia sido acertada.
Os Empire Flying Boats, como ficaram conhecidos, tiveram grande sucesso operacional na rotas da Imperial Airways e depois da Qantas, permitindo abrir extensas ligações aéreas dentro do Império Britânico antes e durante a II Guerra Mundial.
Em 1939 começou a voar uma versão bem maior dessa família, quase um projeto novo, que foi designada G Class e foi projetada para efetuar viagens transatlânticas, um objetivo frustrado pelo início da guerra.
O sucesso técnico do S-23 C Class levou ao desenvolvimento de uma versão militar denominada Sunderland. Esse avião teve importante papel na II Guerra Mundial, quando foi empregado em missões de reconhecimento marítimo e de luta anti-submarina (ASW). O Sunderland tinha grande raio de ação e conseguia patrulhar a área central do Atlântico Norte, o Mar do Norte e o Golfo de Biscaia partindo de bases na Grã-Bretanha. E o sucesso do Sunderland nessas missões foi comprovado pelo afundamento de nada menos que 36 submarinos inimigos.
A estrutura desse hidroavião militar era semelhante à do S-23, apesar da sua nova finalidade ter levado a várias modificações que alteraram seu aspecto externo. Além da instalação de torres com metralhadoras e compartimentos de bombas, a cabine de comando foi deslocada para trás (quase na interseção com as asas), as asas receberam um pequeno enflechamento levando os motores a assumirem uma posição ligeiramente transversal. A deriva era mais alta e o desenho do casco ganhou, na parte posterior, um desnível mais acentuado com a fuselagem.
As versões iniciais do Sunderland tinham quatro motores Bristol Pegasus (semelhantes aos do S-23) de 1.030 h.p. e os modelos posteriores receberam os Pratt & Whitney R-1830-92 (iguais aos adotados pelo DC-3) de 1.200 h.p.
Durante a guerra, a BOAC (cujas operações foram começadas em 1940) operou alguns serviços de transportes prioritários com os Sunderland (além dos S-23) que sofreram uma rápida adaptação para uso civil, onde o armamento foi removido e assentos rudimentares foram instalados.
Após o fim das hostilidades na Europa, alguns Sunderland receberam uma conversão mais completa feita pelo fabricante, que foi batizada Sandringham. Essa adaptação incluiu a substituição das torres de metralhadoras no nariz e na cauda por carenagens aerodinâmicas integrais e a introdução de interiores luxuosos com dois andares, acomodando na BOAC 24 passageiros de dia e 16 à noite com leitos.
O desempenho do Sandringham incluía velocidade de cruzeiro de 265 km/hora, alcance de 3.000 km com reservas e peso de decolagem de até 27 toneladas. O Sandringham tentava manter a tradição de viagens aéreas luxuosas de antes da guerra, e foi o avião escolhido por Alberto Dodero para iniciar voos transatlânticos.
Apesar dos passageiros britânicos ainda apreciarem as viagens nos grande aerobotes, em 1950 eles foram retirados dos serviços da BOAC, substituídos pelos Constellations e Argonaut muito mais rápidos e confiáveis.
Em outras partes do mundo, os hidroaviões da Short sobreviveram mais tempo. Em voos para a Ilha da Madeira voaram até 1958. Na Austrália, onde voavam para ilha Lord Howe, continuaram em serviço até 1974 e no Caribe até 1979. Em todas essas últimas operações as destinações não eram dotadas de aeroportos adequados e os Sandringham pousavam no mar.
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