A fascinante história do Aeroporto de Santa Helena

Aeroportos

Por Rafael Castro

Você já deve ter ouvido falar na Ilha de Santa Helena, pelo menos nas aulas de história na época do colégio. Santa Helena foi o lugar escolhido pelos britânicos para o exílio do imperador francês Napoleão Bonaparte após a Batalha de Waterloo e onde ele faleceu no ano de 1821.

Aeroporto de Santa Helena

Lembrou agora? Pois além desse fato histórico, a Ilha também tem uma história recente bem interessante relacionada ao seu aeroporto.


A Ilha de Santa Helena

Santa Helena é uma ilha tropical vulcânica que fica no meio do Atlântico Sul estando a 1950 km da costa oeste da África do Sul e a cerca de 4000 km da cidade do Rio de Janeiro. Ela é uma das ilhas mais remotas do mundo e era totalmente desabitada quando descoberta pelos portugueses em 1502 (pelo menos essa é a história que eles contam, né?). Se tornou um ponto de parada importante na época das grandes navegações para navios vindos da Europa com destino à Ásia e ao sul da África.

 

Ilha de Santa Helena

Localização da Ilha de Santa Helena. Imagem: TUBS.

Apesar de ter sido descoberta pelos portugueses, foram os ingleses que, após atacarem inúmeros navios que voltavam para Portugal, acabaram populando a Ilha que mais tarde ficou sob controle da Companhia das Índias Orientais e, a partir de 1834 passou para os domínios da Coroa Britânica. Atualmente, com uma população de pouco mais de 4500 pessoas, a Ilha pertence ao Reino Unido e desde 2002 todos os seus residentes receberam a cidadania britânica.


Uma ilha isolada do resto do mundo!

Após a abertura do Canal de Suez, a Ilha de Santa Helena passou a ser bem menos servida pelos navios que antes tinham que, obrigatoriamente, passar por ali para alcançar o Oceano Índico por meio do Cabo da Boa Esperança. Ainda assim, até a década de 1970, ainda havia algumas linhas de transporte marítimo de cargas e passageiros que passavam pela Ilha, conectando-a à Inglaterra e à África do Sul.

Entretanto, com a popularização do transporte aéreo pelo mundo, muitas empresas que faziam o transporte marítimo de passageiros fecharam. O último desses navios passou por Santa Helena em 1977, deixando a Ilha completamente desconectada do restante do mundo.

Durante muitos anos a Ilha de Santa Helena esteve completamente isolada do mundo. Imagine viver num lugar onde você sequer tem a possibilidade de sair de lá, de ver o mundo lá fora. Meio desesperador, não é mesmo? No final da década de 1980, o governo britânico comprou um navio que carregava tanto carga quanto passageiros para servir a Ilha e o chamou de RMS St. Helena. 

RMS da Ilha de Santa Helena

RMS Santa Helena. Imagem: Neil Fantom.

As operações iniciaram em 1990 e sua rota regular consistia em uma viagem de 5 noites entre a Cidade do Cabo e Santa Helena seguindo depois até Ascension Island em outras 2 ou 3 noites onde era possível embarcar em um voo da British Royal Air Force para o Reino Unido que saía 2 vezes por semana.

Os moradores e os visitantes adoravam o RMS, afinal de contas ele era a ligação entre St. Helena e o restante do mundo e vice-versa. Após anos de uso constante, o RMS estava ficando velho e, por volta dos anos 2000, o governo britânico começou a estudar as possibilidades para substituí-lo. Entretanto, essa substituição poderia custar cerca de 100 milhões de dólares o que fez o governo repensar se essa seria a melhor saída. Foi aí que, após muitos estudos, em novembro de 2011 foi assinado um contrato para a construção do Aeroporto de Santa Helena.


A construção do Aeroporto de Santa Helena

Assim que as obras se iniciaram, foram construídas estradas até o local onde seria o aeroporto para o transporte de materiais, apesar de grande parte (principalmente os equipamentos) ter sido trazida em um navio vindo da África do Sul. A construção do aeroporto demorou 4 anos e ele estava pronto para certificação das autoridades competentes em outubro de 2015.

Agora, imagine como seria a certificação de um aeroporto completamente novo em um local onde nunca houve um aeroporto antes. Foi um grande desafio para todos que trabalharam nesse projeto. Para que isso acontecesse, funcionários foram recrutados; os moradores locais foram treinados dentro e fora da ilha para trabalhos como segurança, imigração, combate a incêndios e outros; procedimentos de emergência foram elaborados; os veículos do aeroporto foram trazidos por navios; instrumentos foram calibrados; beacons (luzes indicadoras da localização do aeroporto úteis durante a noite), localizadores e luzes de obstáculos foram instaladas; um logotipo foi projetado; vôos de calibração chegaram; exercícios de emergência foram realizados; testes operacionais foram executados; e, finalmente, em fevereiro de 2016, o aeroporto estava certificado e pronto para abrir.

Santa Helena estava pronta para celebrar a sua maior ambição: ter uma conexão aérea com o resto do mundo.


A primeira tentativa de um voo comercial

A Comair, empresa aérea que opera os voos da British Airways na África do Sul, era a companhia perfeita para servir a Ilha, uma vez que voaria diretamente até Joanesburgo e de lá conectaria os passageiros até os dois destinos mais procurados por eles: Cidade do Cabo e Londres.

Claro que isso não seria tão fácil! A Comair queria fazer o que eles chamaram de ‘Implementation Flight’, ou ‘voo de Implementação’. Basicamente, eles iriam voar uma das suas aeronaves de Joanesburgo até a Ilha para testar se tudo estava efetivamente funcionando, desde os instrumentos até a pista, o terminal e o sistema de abastecimento das aeronaves.

Primeiro Voo Aeroporto de Santa Helena

Boeing 737-800 da Comair pousando no Aeroporto de Santa Helena. Imagem: Divulgação/St. Helena Airport.

Foi então que em um dia ensolarado de Abril de 2016, um Boeing 737 da Comair apareceu ao norte do Aeroporto de Santa Helena carregando funcionários da companhia e da empresa que havia construído o aeroporto. Inicialmente foi executado um ‘fly-by‘ sobre a pista (um voo baixo, porém sem efetivamente pousar), conforme planejado. Os pilotos deram a volta e retornaram para uma segunda e última aproximação, porém, segundos antes do trem de pouso tocar a pista, devido a alguns balanços provocados por ‘crosswinds‘ (ventos cruzados ou de través), os pilotos resolveram abortar o pouso e realizaram uma arremetida. Eles circularam a ilha e aproximaram novamente, dessa vez ainda com alguns ventos cruzados, conseguiram pousar o primeiro voo comercial do Aeroporto de Santa Helena, ainda que não estivesse carregando passageiros pagantes.

British Airways no Aeroporto de Santa Helena

Imagem: Divulgação/St. Helena Airport.

O problema foi que os ventos cruzados eram sinal do chamado ‘wind shear‘, um fenômeno que acontece quando o vento que está indo em uma direção encontra ventos indo em outra direção, criando uma zona de ar turbulento. No caso de Santa Helena, o wind shear foi causado pelo vento naturalmente forte sendo empurrado e desviado pelas enormes falésias no extremo norte de sua pista 20.

A solução encontrada era pousar as aeronaves pelo lado sul (pista 02) onde não haveria problemas de wind shear, porém, essa estratégia também tinha suas implicações. A gente sabe que os aviões “gostam” de pousar contra o vento, já que isso os ajuda a parar mais rápido. A questão é que em Santa Helena o vento geralmente vem do sul, o que significaria que as aeronaves pousariam com vento de cauda e não de proa.

Para parar um Boeing 737 considerando o tamanho da pista e o vento de cauda, seria necessário que a aeronave estivesse bastante leve, não sendo capaz de trazer a sua capacidade máxima de cargas e passageiros. Na realidade, ela precisaria estar tão leve que esse voo jamais seria rentável para a Comair. Dessa forma, sem cerimônias, foi declarado que eles não operariam o voo para Santa Helena.

A história chegou à impressa do mundo todo (e cheia de inverdades, é claro) e o Aeroporto de Santa Helena passou a ser chamado de “the world’s most useless airport” ou “o aeroporto mais inútil do mundo“.


Finalmente: o primeiro voo comercial de verdade!

A saída para o chamado aeroporto mais inútil do mundo era que os voos fossem operados por uma aeronave menor que pudesse pousar pela pista 02 (sul), caso o wind shear da pista 20 (norte) estivesse muito forte. Os voos seriam parcialmente subsidiados pelo Reino Unido: caso o voo desse prejuízo, essa perda seria arcada pelo governo britânico.

Duas empresas apareceram querendo operar em St. Helena: Atlantic Star Airlines e a SA Air Link. A última fez a melhor proposta que era voar com um Embraer 190 com capacidade para 96 passageiros uma vez por semana, aos sábados. Eles voariam de Joanesburgo até Windhoek, na Namíbia, para reabastecimento e onde encontrariam um outro voo vindo da Cidade do Cabo para conectar mais passageiros, voando por mais 3 horas até Santa Helena. O voo de volta seria direto até Joanesburgo, isso seria possível por conta dos ventos de cauda durante o trajeto. O contrato com a SA Air Link foi assinado em agosto de 2017 e, finalmente, a ilha estaria conectada por via aérea.

Embraer no Aeroporto de Santa Helena

Embraer 190 da SA Air Link pousando pela primeira vez no Aeroporto de Santa Helena. Imagem: Divulgação/St. Helena Airport.

Alguns meses depois o E190 da Air Link pousou pela primeira vez no aeroporto carregando 70 passageiros entre jornalistas, turistas e moradores, transformando de uma vez por todas a vida na Ilha de Santa Helena.

Batismo da Aeronave

Imagem: Divulgação/St. Helena Airport.

É claro que o aeroporto estava lotado nesse dia. Todos queriam ver a chegada do Embraer da Air Link pela primeira vez!

Imagem: Divulgação/St. Helena Airport.


Sempre preocupados com a meteorologia

Ainda que haja somente um voo por semana, o pessoal trabalha bastante no Aeroporto de Santa Helena. Até porque, por conta do isolamento geográfico da ilha, tudo que acontece no aeroporto precisa ser resolvido por ali mesmo.

A meteorologia recebe uma atenção especial. Os funcionários dedicados ao monitoramento dos dados meteorológicos começam a trabalhar na terça-feira visando o voo que irá chegar no sábado. Na sexta-feira eles produzem uma previsão do tempo detalhada  para o horário previsto da chegada do voo no dia seguinte. Às 4 da manhã de sábado o relatório é submetido para o setor de Flight Operations da Air Link em Joanesburgo que irá decidir se o voo será operado ou não.

O principal problema é que é preciso haver garantias de que a aeronave que vai para Santa Helena de fato consiga pousar em Santa Helena, pois não há nenhuma possibilidade de alterná-la para outro aeroporto. A pista “menos longe” é a da Base Aérea de Ascension Island, com pelo menos mais 1 hora e meia de voo. Graças a todo esse monitoramento, desde que o aeroporto abriu nenhum voo precisou ser alternado até hoje.


Um aeroporto que salva vidas!

O sucesso do Aeroporto de Santa Helena não é medido somente pelo número de novos visitantes que chegam à Ilha e movimentam a economia local, mas também pelo número de vidas salvas a partir da sua construção e operação. No documentário que assisti para escrever essa matéria, conta-se a história de Patrice Yon e seu bebê Eli.

Patrice teve uma gravidez normal até o último trimestre quando sua pressão arterial disparou. Em um determinado momento os médicos se preocuparam com uma pré-eclâmpsia e decidiram que ela precisaria de uma cesariana de emergência. O bebê Eli nasceu 4 semanas antes do tempo previsto e com dificuldades para respirar. Identificou-se que ele tinha uma insuficiência respiratória e que ele precisaria ser transferido para outro hospital.

O RMS estava em viagem até o Reino Unido e demoraria semanas para retornar até Santa Helena. Os pais ficaram desesperados sem saber como deslocariam o bebê para um hospital com melhores condições, no continente. Foi aí que os médicos decidiram que seria preciso fazer uma evacuação aérea (MEDEVAC). Dois dias depois do nascimento do garoto, um jato de uma empresa sul-africana de MEDEVAC pousou no Aeroporto de Santa Helena. Eli pôde, então, juntamente com a sua mãe, ser transferido para um hospital na Cidade do Cabo. Se não fosse pelo aeroporto, muito provavelmente Eli não teria sobrevivido. Ele hoje é uma criança saudável e é um entre vários habitantes da Ilha que devem suas vidas à existência do aeroporto.


O Aeroporto de Santa Helena atualmente e as perspectivas

Os sábados são uma verdadeira festa no Aeroporto de Santa Helena. Apesar do seu tamanho, os passageiros começam a chegar cerca de 3 a 4 antes do horário do voo. Apesar da aeronave ter capacidade para somente 96 passageiros, há sempre uma multidão no aeroporto, já que os familiares fazem questão de acompanhá-los para verem a movimentação das pessoas chegando e saindo da Ilha.

O terraço panorâmico costuma estar bem mais cheio do que o de grandes aeroportos pelo mundo. Todos querem acompanhar a chegada e a saída do voo semanal da Air Link. Nesses dias, abrem-se uma agência bancária, uma loja de souvenires, um quiosque de embalagem de malas, um café e um restaurante.

Terraço panorâmico

Imagem: Divulgação/St. Helena Airport.

Atualmente, os seguintes voos são operados em St. Helena (HLE) de forma regular:

  • SA8131: Joanesburgo – Walvis Bay* (escala técnica para abastecimento) – St. Helena.
  • SA8132: St. Helena – Joanesburgo (direto).

* Desde 07/04/2019 a escala deixou de ser em Windhoek e passou a ser em Walvis Bay, ambas na Namíbia, por ser uma região mais fresca e com menor altitude, possibilitando levar mais 11 passageiros a bordo.

Entre os meses de Dezembro e Fevereiro, a Air Link introduziu um novo voo sazonal, às terças-feiras, para a Cidade do Cabo:

  • SA8138: Cidade do Cabo – St. Helena
  • SA8139: St. Helena – Cidade do Cabo

As perspectivas para o aeroporto são positivas, entretanto, como em qualquer destino turístico emergente, a realidade não muda da noite para o dia. O número de turistas aumentou desde que as operações iniciaram, porém há de se esperar e planejar para que o aeroporto cumpra também o seu papel enquanto promotor do desenvolvimento sócio-econômico da Ilha de Santa Helena. É importante mencionar que, no ano de 2019, a rota gerou um pequeno lucro para a Air Link, não havendo necessidade de utilização do subsídio do governo britânico.

Os planos são audaciosos:

  • A criação de uma rota para a América do Sul, possivelmente Recife. Tecnicamente possível, pois seriam apenas 4 horas de voo, porém comercialmente duvidoso.
  • Voos diretos para Windhoek, na Namíbia, a fim de explorar um mercado turístico já mais consolidado.
  • Voos para Londres, tecnicamente possíveis com uma parada em Cabo Verde.

Comentário

Ao meu ver, o problema de ter somente um voo semanal é que se obriga o turista a ficar, pelo menos, 1 semana inteira na Ilha. Nesse sentido, é importante que o destino se planeje para ter serviços e atrações turísticas que façam valer à pena para o turista o tempo e o investimento dessa estadia. Mas, pelo que eu pude perceber, eles têm um órgão de turismo local bem articulado e competente.

Eu fiquei fascinado com essa história. É impressionante observarmos os desafios e as possibilidades que são geradas a partir da construção de um aeroporto e da consolidação de serviços aéreos comerciais, sobretudo em lugares e ilhas remotas. Estou ansioso para acompanhar o crescimento do turismo e das operações aéreas em Santa Helena, é algo que eu quero muito acompanhar de perto. Bora voar para o St Helena Airport? Já está na minha wish list, com certeza!


Fonte das informações: Documentário ‘The World’s most useful airport’ de Sam Denby.

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