Ao longo das próximas semanas traremos a vocês o especial “A História da Smiles”. É a forma que encontramos de homenagear as duas décadas e meia do programa de fidelidade mais antigo do Brasil. Serão três posts recheados de informações de bastidores e muitas curiosidades.
Começamos hoje com a Parte nº 1. dessa história especialíssima!
Índice
Parte 1:
Há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante…
Naturalmente fiéis à Varig
Dos criadores do MileagePlus
Rio-SP: 25 mil milhas
Extra: imagens
Parte 2 (em breve):
Pioneiros do Marketing
Guarde seus Cartões de Embarque
A Escolha do Nome
Uma Louca e Assertiva Estratégia
Extra: imagens
Parte 3 (em breve):
Além das Melhores Expectativas
Azul, Prata, Ouro e Diamante
Unidade de Negócios Independente
Lugar Cativo no Coração dos Brasileiros
Extra: imagens
Há muito tempo, em uma galáxia muito distante…
É brincadeira, claro. O “muito tempo” não passa de 25 anos – o Smiles fez oficialmente suas bodas de prata com o mercado em 12 de junho passado. E a “galáxia distante” ficava mesmo em São Paulo, na Portaria 3 da Varig (hoje, Gol), na área lateral do Aeroporto de Congonhas, onde funcionava a área administrativa da empresa em São Paulo. Mais precisamente, em uma pequena sala de um predinho dos fundos onde estavam instalados o atendimento ao cliente e a área de reservas da companhia aérea.
Nossa história começa um pouco mais de um ano antes dessa data, no primeiro semestre de 1993, quando a diretoria da Varig resolveu que precisava criar um programa de milhagem para tentar inverter a fuga acelerada de seus clientes para as empresas aéreas norte-americanas nas rotas para os Estados Unidos. Em dois anos, entre 1991, quando a Varig deixou de ser a “flag carrier” do Brasil, condição em que gozava de direitos ou privilégios preferenciais concedidos pelo governo para operações internacionais, e 1993, a fatia de mercado da empresa naquelas lucrativas rotas saíra de 52 pontos para cerca de 30 – isso representava uma perda de receita anual na casa das dezenas de milhões de dólares.
É importante lembrar aos leitores deste site que os programas de milhagem das companhias aéreas ainda estavam na infância naquela época. O primeiro deles, o AAdvantage, criado pela equipe liderada por Hal Brierley, nasceu no dia 10 de maio de 1981. E o segundo, o Mileage Plus, criado pela equipe liderada por Stevan Grosvald para a United, veio à luz exatos 21 dias depois, em 31 de maio daquele ano.
Em 1991, quando aquelas duas empresas passaram a operar nas rotas para o Brasil, motivadas pela desregulamentação que havia começado em pleno governo Collor, pouca gente no Brasil havia ouvido falar em programas de milhagem. E a reação dos principais executivos da Varig foi de desprezo em relação à ideia. Entrevistado por um repórter, Reubel Thomas, presidente da empresa à época, declarou que os brasileiros eram “naturalmente fiéis” à Varig.
Naturalmente fiéis à Varig
No início de 1993, aqueles mesmos clientes “naturalmente fiéis à Varig” tinham descoberto a excitação de participar de um programa como o AAdvantage ou o Mileage Plus e poderem ganhar viagens grátis. E estavam migrando em massa para as duas empresas norte-americanas. Principalmente os clientes corporativos.
Aí, sejamos honestos, bateu o desespero na velha senhora gaúcha. O próprio Reubel Thomas desceu do pedestal e decidiu que a empresa iria correr para colocar no ar seu próprio programa de milhagem. E até estabeleceu uma data-alvo: 1º de janeiro de 1994.
Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, devia estar bem ativa naquela época, porque ele conseguiu engajar no projeto dois profissionais com expertises complementares e que estavam disponíveis na ocasião: Ulrich Mielenhauser, executivo do setor financeiro que havia participado da criação do Credicard, o primeiro cartão de crédito de bancos do Brasil, e Amauri Cabral, funcionário da Varig que gerenciara a área de cargas e conhecia bem os meandros e escolhos da empresa.
Nesse sentido, Amauri é o primeiro a reconhecer que sem o Ulrich à frente do projeto não teria existido um Programa Smiles. Vindo de fora e com carta branca dada diretamente pelo Reubel, ele teve autonomia para reunir em torno de si uma equipe competente e entusiasmada, além de passar como um trator – quem conhece Ulrich sabe que imagem não é exagerada – por cima da burocracia e dos burocratas que pululavam na Varig.
E o primeiro a compor a equipe foi o próprio Amauri. Ele tinha a tarefa na ocasião de desenhar um produto que concorreria com a FedEx. Ulrich acabara de assumir o desafio de criar o programa de milhagem e estava presente à reunião em que Amauri apresentou o projeto para a presidência. O tal projeto “fedex”, ou que nome tivesse, não foi à frente, por receios da diretoria de que iria criar problemas com o governo brasileiro, na medida em que praticamente inviabilizava a Rede Postal Noturna, dos Correios, pois esse serviço usava os aviões da Varig. O lado positivo foi que o Ulrich ficou impressionado com o trabalho e requisitou o Amauri para iniciar a formação da equipe. Como bônus, veio junto o espaço onde Amauri trabalhara no projeto “fedex” – a tal salinha ao lado da área de reservas.
O terceiro integrante foi um profissional que estava no marketing do Rio, Marco Aurélio Botelho. O Marco, por sua vez, indicou outro carioca, Herbert Vargas, para assumir a tarefa de encontrar soluções em termos de hardwares e softwares para o programa. Herbert trabalhava na área de TI da empresa, cuidando de “plataformas baixas”, ou seja, micros e médios computadores.
A Varig, na época, funcionava basicamente com “mainframes”, aqueles computadores enormes que ocupavam andares e até edifícios inteiros, processando as informações e sendo acessados por computadores-clientes. Cuidar de micros e midis naquele tempo, portanto, não era considerado uma coisa muito nobre, mas era exatamente do que o projeto precisava. Ulrich e Amauri já haviam concluído que não poderiam depender do ritmo da área de TI, envolvida com coisas muito maiores e mais prementes. Eles também já tinham pesquisado os programas concorrentes e descobriram que todos usavam sistemas e softwares que rodavam em máquinas UNIX, como os AS400, da IBM, menos poderosas do que os mainframes, mas muito mais ágeis e com linguagens mais avançadas, programação já voltada a objeto e integrações menos problemáticas com bancos de dados.
Dos criadores do MileagePlus
Lembram que falamos do Stevan Grosvald? Está na hora de conhecermos um pouco mais o personagem e entender seu papel na gênese do Smiles.
Como já dissemos, quando a Varig resolveu montar uma equipe para criar seu programa de milhagem, buscou dois profissionais com competências reconhecida, um no mercado e outro entre os funcionários. O problema é que nenhum dos dois havia tido a experiência de desenvolver uma estratégia de relacionamento com os clientes com o porte dos grandes programas de milhagem. Na verdade, pouca gente no mundo já tivera a oportunidade de criar um programa com essa dimensão. O risco de perder muito tempo e dinheiro reinventando a roda era muito grande.
A solução seria buscar a colaboração de quem já havia criado um programa com as dimensões do que se pretendia vir a ser o Smiles. E, no mundo, havia praticamente apenas dois profissionais com esse perfil. Um deles, Hal Brierley, continuava envolvido com o Aadvantage, através da agência que havia criado, a Brierley & Partners, e não estava disponível. O outro era Stevan Grosvald.
Steve, como gosta de ser chamado, após liderar a equipe que criou o Mileage Plus, foi contratado pela Continental e fez o mesmo para aquela companhia aérea. Em seguida, virou “independent contractor” e ajudou a criar os programas Frecuenta, da Mexicana Airlines, QQuickMiles, da RenoAir, e Voyager, da South African Airways. Além de dar consultorias para cartões de crédito, como o Diners, e redes de hotéis. O mais importante de tudo: estava disponível.
O primeiro encontro da equipe com ele foi em Dallas, ainda em julho de 1993. Em novembro daquele ano, Steve veio a São Paulo e passou uma semana trocando ideias com a equipe que estava desenvolvendo o programa — àquela altura, além de Ulrich, Amauri, Marco Aurélio e Herbert, o grupo incluía Antonieta Spargoli, Arlene Di Piero, Cristina Anfimovas, Fernando Hollanda e Valdemir Souza.
Steve compartilhou informações preciosas que acumulara em suas passagens pelos outros programas. Segundo Amauri, a lição mais importante que ele dividiu teve a ver com a chamada “liability”, o passivo de milhas. Trata-se do cálculo do valor atribuído a cada milha para a provisão das viagens a efetuar.
Tentando explicar de uma forma bem simplificada essa tal de “liability”, quando você faz uma viagem entre duas cidades que ficam a 1000 milhas de distância, essas milhas são creditadas na sua conta corrente do programa e o valor atribuído a elas vai para a coluna do passivo no balanço da empresa aérea como provisão de despesas. Aí, quando você troca as milhas por bilhetes, ela sai da linha “provisão para futuras viagens” e entra na lista de “despesas com milhas”.
Há a possibilidade, no entanto, de essas milhas não serem trocadas por bilhetes – daí, inclusive, a necessidade de elas terem um prazo de validade, que é para o balanço da companhia não ficar arrastando esse passivo eternamente, gerando prejuízos em cima de prejuízos – e elas saem daquela linha no passivo e vão para uma outra linha na coluna dos ativos da empresa. Amauri orgulha-se de haverem feito esse cálculo de forma tão criteriosa que, durante todos os anos em que esteve à frente do Smiles, o programa foi a área que apresentou os melhores resultados em toda a Varig.
Steve também apresentou os modelos de negociação com parceiros, e outros detalhes que permitiram acelerar o processo de criação do programa, mantendo 1º de janeiro de 1994 como data de pré-lançamento, enquanto se faziam as customizações necessárias dos sistemas para o lançamento propriamente dito que seria em algum ponto do meio do ano (no final, tendo coincidido com a semana de início da Copa do Mundo de Futebol de 1994, em que o Brasil tornou-se tetracampeão – o que foi um início auspicioso, sem dúvida).
Outro ponto que ficou claro na discussão com o Steve foi a razão de o programa adotar milhas como moeda, e não quilômetros, ou pontos: ele já nasceu com a vocação de ser internacional e milha já era a moeda padrão dos programas de milhagem, facilitando assim o intercâmbio com parceiros que viria a acontecer inevitavelmente.
Rio-SP: 25 mil milhas
Essa visão global desde o berço também teve um papel relevante na processo de precificação dos bilhetes grátis e das milhas que seriam adquiridas pelos parceiros. Sim, porque a equipe pôde pesquisar quanto em milhas custavam os bilhetes grátis nos programas de suas principais concorrentes e montar uma tabela competitiva –sem, ao mesmo tempo, gerar nenhum aumento de custos para a empresa.
Na prática, isso significou aplicar necessariamente regras de cálculo atuarial, ciência que utiliza técnicas matemáticas e estatísticas de maneira a determinar o risco e o retorno nos segmentos de seguros e financeiros, para determinar o custo de cada milha, mas facilitou muito a fase de testes – nas pesquisas com potenciais clientes, eles podiam comparar os “preços sugeridos” do bilhete grátis do Smiles com o “preço” que era praticado pelas outras empresas e orientar de forma mais concreta as decisões da equipe do programa.
Na verdade, a equipe foi até muito conservadora e lançou os Bilhetes Smiles ida e volta para destinos domésticos em classe econômica com dois valores: 25 mil milhas para distâncias até 1.000 milhas e 35 mil milhas para distâncias acima de 1.000 milhas. Exemplificando, um bilhete grátis de ida e volta entre São Paulo e Salvador, que ficam a pouco mais de 900 milhas de distância, custava 25 mil milhas; já entre São Paulo e Recife, que ficam a cerca de 2.500 milhas uma da outras, custava 35 mil milhas. Isso durou cerca de dois anos, até perceberem que podiam oferecer eliminar a tarifa mais alta. (Atualmente, com a experiência acumulada e ferramentas mais avançadas de controle de promoções, não é difícil encontrar voos que custam em torno de 5-10 mil milhas e até menos.)
Em relação ao preço da milha para os parceiros, o processo foi semelhante, com a facilidade de que o sistema da Swissair já trazia um preço padrão de U$ 0,01. O cálculo atuarial confirmou que o Smiles podia eventualmente até negociar valores mais baixos pois a lucratividade seria mantida. Na prática, porém, os parceiros aceitaram sistematicamente valores acima desse patamar, garantindo assim que o programa se tornasse rapidamente na unidade mais lucrativa da empresa.
Extra: imagens
Nosso agradecimento especial ao Fernando Guimarães, ao Eduardo Bentes e demais leitores que contribuíram com esta matéria especial!
Continuamos na semana que vem com a 2ª parte dessa história, até lá não deixe de baixar o NOVO App do Passageiro de Primeira!
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