Se preparem, pois hoje tem um post técnico sobre inflação no mundo das milhas e o que você deve fazer para se proteger.
A palavra inflação, certamente conhecida e temida por todos, permeia o dia a dia da humanidade desde os primórdios do surgimento das moedas. Pode-se dizer, inclusive, que a inflação é tão velha quanto o próprio dinheiro. “Mas o que a inflação tem a ver com pontos e milhas?”, você pode estar se perguntando. A princípio são universos aparentemente muito distintos, mas há diversas nuances acerca do tema.
Ao longo deste post, vamos mostrar como o mercado de pontos e milhas se assemelha à economia global em alguns aspectos. Também iremos ver outros aspectos em que há diferenças significativas entre esses universos econômicos, de modo a compreendermos em que contexto se encaixa a inflação no mercado de pontos e milhas e se ela existe de fato e é sentida na prática.
Você sabe o que é inflação?
Mas afinal, você sabe o que é inflação? Parece fácil definir o termo, mas há algumas sutilezas no que tange à correta definição da palavra. O ponto crucial é entender a diferença entre causa e consequência. Enquanto muitos imaginam que a inflação é o simples fenômeno de aumento nos preços dos produtos e serviços, essa é na verdade a consequência direta da inflação. E o que é então a inflação propriamente dita, que é a causa do aumento nos preços? Trata-se da depreciação da moeda, ou em outras palavras, da sua emissão em excesso, sendo essa a própria definição de inflação. Guarde bem esse conceito, pois ele será extremamente útil para analisarmos o mercado de pontos e milhas mais adiante!
Em linhas gerais, quando se aumenta a quantidade de dinheiro em circulação, tem-se a inflação tal qual a conhecemos na economia do dia a dia. E por que isso é ruim? Intuitivamente, se existe mais oferta de dinheiro no mercado, cada unidade básica desse dinheiro terá menos valor. Um exercício de analogia para compreender isso é o seguinte: quanto mais raras algumas coisas são, tais quais pedras preciosas como os diamantes, mais valor agregado elas possuem, pois não serão encontradas tão facilmente à disposição dos interessados. Se de repente essas coisas raras se tornam cada vez mais e mais comuns, por qualquer motivo que seja, o que você acha que acontece com o seu valor agregado? Acertou quem disse que o valor agregado irá diminuir!
Existe inflação no universo dos pontos e milhas?
E se ao invés de dinheiro nós aumentarmos excessivamente a quantidade de pontos e milhas em circulação no mercado? Chegamos então à primeira analogia entre pontos, milhas e dinheiro: quanto mais escassos, maior valor agregado possuem, e vice-versa! Logo, tal qual o dinheiro, os pontos e as milhas também são passíveis de sofrerem inflação, desde que a sua quantidade em circulação aumente de forma excessiva. Não podemos esquecer, inclusive, que pontos e milhas valem dinheiro! Afinal de contas, com o uso de pontos e milhas nós podemos adquirir produtos e/ou serviços que tem valor monetário agregado, tais quais as passagens aéreas.
Aliás, você sabe calcular quanto valem os seus pontos e milhas? Se não sabe, sugerimos a leitura desse post.
Como se mede a inflação?
A medição do processo inflacionário é feita através dos chamados índices de inflação. Estes, por meios de técnicas estatísticas, tem por objetivo medir a inflação de um conjunto de produtos e serviços transacionados na economia, por exemplo pontos e milhas, por que não?! Uma vez que o conceito de índices de inflação é universal, ele pode ser perfeitamente aplicado para o universo econômico dos pontos e milhas, tal qual o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) é o índice que mede a inflação na economia brasileira. Basta então que se defina um índice inflacionário para pontos e milhas, algo ainda inexistente.
Tipos de inflação
Na economia, em geral, divide-se a inflação em duas categorias: inflação de demanda e de custos. Vamos tecer alguns comentários a respeito das particularidades de cada um desses tipos de inflação.
A inflação de demanda
A inflação de demanda diz respeito ao aumento de preços que se observa em casos nos quais o poder aquisitivo da população sobe em disparidade com a capacidade que a economia tem de prover os bens e serviços demandados. Em outras palavras, quando a demanda supera a oferta.
O mercado da aviação estava aquecido antes da COVID-19, sendo que em determinados mercados até havia falta de aeronaves para algumas cias aéreas. Soma-se a isso o fato de que algumas economias iam bem e a busca por viagens corporativas e a lazer estavam em alta, que em alguns casos acontecia o aumento de preços de passagens por conta da alta demanda.
Como a quantidade de milhas necessárias para BOA parte das emissões é atrelada ao preço das passagens, muitas vezes os resgates estavam altos por conta disso.
A inflação de custos
A inflação de custos ocorre quando os insumos necessários para a produção de bens e serviços ficam mais caros, e os custos de produção são repassados ao consumidor final.
De maneira geral, o preço de uma passagem é composta pelo valor do combustível, cotação do dólar americano e outros custos da cia aérea. Quando o preço do combustível sobe ou o dólar dispara, é esperado que para manter a salubridade financeira, as cias aéreas repassem o aumento no preço das passagens e, pelos motivos já explicados, ajustem os preços das passagens por milhas como consequência!
Um pouco de matemática, mas por favor, não se desespere 😊
Milton Friedman foi um economista, estatístico e escritor norte-americano que definiu a seguinte fórmula para a área econômica:
D x V= P x Q
Na fórmula acima, temos a seguinte correspondência:
- D: Dinheiro;
- V: Velocidade de circulação do dinheiro;
- P: Preços;
- Q: Quantidade de bens.
Confuso?
Calma que vamos explicar! De modo geral, a população se planeja para gastar o seu dinheiro ao longo do tempo. Por exemplo, quando a população recebe um salário mensal, a princípio não gasta tudo no mesmo dia. Ao contrário: planejam-se os gastos mensais até que o próximo salário seja recebido, e assim sucessivamente. É óbvio que isso nem sempre ocorre, mas numa visão macro, podemos considerar que a velocidade de circulação do dinheiro é constante (V é constante na fórmula de Friedman). Logo, se a quantidade de dinheiro em circulação aumenta (D aumenta), o lado esquerdo da fórmula de Friedman irá aumentar, certo? Isso porque o lado esquerdo é composto pela multiplicação D x V, e embora V seja constante, D aumentou. Para manter a igualdade da fórmula, o lado direto tem que aumentar também. E como isso ocorre? Ou a quantidade de bens sobe (Q sobe) ou o nível de preços sobe (P sobe), e quando é o preço que sobe, bingo! Tem-se a inflação!
Trazendo essa fórmula para o mundo dos pontos e milhas aéreas, por analogia podemos reescrevê-la da seguinte forma:
M x V = P x A
Na fórmula acima, temos a seguinte correspondência:
- M: Milhas;
- V: Velocidade de gasto das milhas;
- P: Preços de resgate de passagens aéreas;
- A: Assentos disponíveis para resgate com milhas .
É claro que há épocas específicas em que a velocidade de gasto dos pontos e milhas não é de forma alguma constante, mas sim sofre picos expressivos. Basta lembrar por exemplo do desespero em se gastarem os estoques de pontos e milhas quando a Avianca Brasil estava prestes a falir. Porém, novamente podemos considerar V constante numa visão macro, dadas as limitações de ofertas para resgates. Dessa forma, se a quantidade de pontos e milhas em circulação aumenta (M aumenta), o lado esquerdo da fórmula irá aumentar. Para manter a igualdade, o lado direito da fórmula deve aumentar também, o que ocorre se os preços de resgate aumentarem (P aumenta) ou se a quantidade de assentos disponíveis para resgate aumentar (A aumenta). O que vocês acham que tem aumentado ultimamente, P ou A? Vejam a nossa análise a seguir.
Porque é tão fácil existir inflação nos programas de fidelidade em geral?
Na economia real, a emissão de moeda é feita pelo Banco Central. Já no universo dos pontos e milhas, os programas de fidelidade são como os bancos centrais e responsáveis pela própria emissão de moeda, que no caso são os pontos e as milhas!
A grande diferença é que na economia real, a emissão de moeda é controlada por diversos regulamentos. No mundo dos programas de fidelidade, por outro lado, não há qualquer controle regulatório para a emissão de moeda. Logo, os programas emitem pontos e milhas conforme a sua própria vontade e isso ocorre de diversas formas, tais como: venda direta de pontos e milhas, bônus nas transferências a partir dos cartões de crédito dos bancos, aumento nas promoções de acumulo através de parceiros, entre outros.
Se o aumento na circulação de pontos e milhas for feita com LASTRO, ou seja, se mais opções de resgate foram colocadas à disposição dos consumidores, a conta pode se equilibrar e não acontecer nenhuma inflação significativa dos pontos e milhas. Por exemplo, se o aumento na quantidade de pontos e milhas de determinadas cias aéreas é feito em paralelo com um aumento na disponibilidade de assentos resgatáveis com milhas nessas mesmas cias aéreas, a conta pode se equilibrar. Isso é consequência direta da fórmula de Friedman adaptada, conforme exibido mais acima.
Por outro lado, se os programas de fidelidade oferecem mais pontos e milhas e não aumentam as ofertas de resgate para os consumidores, em especial de voos, as emissões podem subir de valor, já que teremos mais pontos e milhas no mercado, gerando inflação, conforme a sua própria definição já discutida.
Será que a inflação de milhas e pontos tem ocorrido na prática?
Acredito que em parte SIM, estamos vivendo um período de inflação das milhas. Digo isso com base nas tabelas de resgate dos principais programas de fidelidade nos últimos 10 anos para se ter a percepção clara no aumento dos preços das passagens com pontos e milhas. Por outro lado, destaco que alguns resgates diminuíram de valor. É possivel encontrar emissões por 3 mil pontos em períodos específicos.
Por que os programas de fidelidade tem então emitido cada vez mais pontos e milhas, que entraram em circulação de forma abundante no mercado e geraram inflação? Porque a venda desses pontos e milhas tem sido cada vez mais lucrativa para essas empresas, especialmente se levarmos em conta que muitas pessoas deixam os seus pontos e milhas expirarem.
É alarmante ver que, conforme noticiado pela CNN recentemente, os brasileiros deixaram expirar aproximadamente 43 bilhões de pontos e milhas em 2019, o que representa quase 20% de todos os pontos e milhas acumulados via cartão de crédito no ano! Houve inclusive um salto de incríveis 39% no número de pontos e milhas expirados na comparação entre 2018 e 2019, mas temos certeza que você, caro leitor do Passageiro de Primeira, não está entre os que deixaram os seus pontos e milhas expirarem, não é mesmo? 😉
Os regulamentos do programas de fidelidade permitem as mudanças de preço de resgate
Os programas de fidelidade tem a liberdade de ajustar os preços de suas emissões a qualquer momento. Com ou sem motivo, se quiserem aumentar ou diminuir a margem das emissões, eles podem, inclusive respaldados pelos seus próprios regulamentos. Inclusive várias alterações tem sido feitas nos últimos anos sem o devido aviso prévio aos consumidores, o que denota uma pratica pouco amigável por parte de muitos programas de fidelidade, especialmente os brasileiros. No momento, não há um órgão que consiga controlar ou fiscalizar isso.
Dicas para se proteger da inflação dos pontos e milhas, utilizando estratégias simples
Conforme já citado neste post, deve-se sempre ter em mente que pontos e milhas valem dinheiro! Apesar de intuitivo, pelo já exposto sobre a imensa quantidade de milhas expiradas em 2019, percebe-se que muitas pessoas ainda não massificaram esse conceito. É fundamental que você identifique o seu perfil de viajante e, a partir dele, trace estratégias que façam com que você tire o maior proveito dos pontos e milhas que você acumula nos mais diversos programas de fidelidade, nacionais ou estrangeiros.
Além disso, o que irá definir um programa de fidelidade como melhor ou pior para um cliente é exatamente o seu perfil de viajante. Logo, dependendo dos destinos procurados, das cias aéreas de preferência e do estilo de viagem pretendido, haverá um ou mais programas de fidelidade mais adequados para cada perfil de cliente. Contudo, ainda assim não há um único programa de fidelidade perfeito e que se adeque 100% às demandas dos seus clientes. O ideal, então, é aproveitar as particularidades de cada um dos programas de fidelidade existentes, buscando maximizar o valor agregado que o uso combinado deles é capaz de fornecer.
Partindo do pressuposto que você já mapeou o seu perfil de cliente e já definiu em quais programas de fidelidade você irá concentrar os seus acúmulos de pontos e milhas, algumas dicas adicionais bastante simples podem ajudá-lo a fazer melhor uso desses pontos e milhas:
- Controle o custo de geração dos seus pontos e milhas, pois nem sempre o resgate de passagens aéreas com pontos e milhas será mais vantajoso do que comprar essa mesma passagem em dinheiro. Especialmente para o resgate de passagens aéreas em classe econômica, por vezes os preços serão inclusive equivalentes. Já para resgates de passagens aéreas em classe executiva ou 1ª classe, geralmente o uso dos pontos e milhas será mais vantajoso;
- Evite realizar resgates de passagens aéreas com pouca antecedência, pois muitos programas adotaram nos últimos anos uma precificação dinâmica no resgate das passagens com pontos e milhas. Logo, quanto mais próximo da data do voo, a tendência é que a procura pela passagem aérea aumente muito, o que provavelmente irá aumentar o seu preço de resgate com pontos e milhas;
- Atente-se às datas de validade das suas milhas nos diversos programas. Não deixe que nenhum ponto ou milha expire, pois você estará literalmente perdendo dinheiro;
- Acompanhe as promoções de bonificação dos programas de fidelidade e monte uma estratégia para enviar os pontos dos cartões de crédito apenas nas condições mais vantajosas, maximizando a quantidade de pontos obtidos.
Comentário
A melhor maneira de se proteger da inflação nos programas de fidelidade é sempre estar antenado e se educar no mundo dos pontos e milhas! Não acredito que as oscilações vão parar, mas seguindo nossas dicas, você consegue minimizar eventuais aumentos – Fique ligado!
E por aí, qual é a sua percepção acerca da inflação dos pontos e milhas e o que você tem feito para minimizar os efeitos negativos dessa inflação?