Pessoal,
Semana passada inauguramos uma nova serie de postagens no site: #TBT do PASSAGEIRO DE PRIMEIRA (ThrowbackThursday)!
Nesta série de relatos, reportagens, e avaliações, vamos trazer um gostinho nostálgico para o PP! Mostraremos como era experiencia de voar em aviões antigos, reportagens, cias aéreas extintas, curiosidades e muito mais.
Serie #TBT do Passageiro de Primeira!
#TBT desta semana!
Esta semana apresentamos a avaliação do Concorde da Air France entre Paris e Rio, via Dacar.
O relato foi feito pelo fundador da revista FLAP e nosso amigo, Carlos Spagat.
Espero que gostem – Nós amamos!
Fligth Check Concorde – Por Carlos Spagat
Em meados dos anos 70, a Flap era uma adolescente, com apenas 14 anos de idade, e o Concorde, a maior novidade da aviação mundial de então e sonho de consumo de todos os aficionados, estava voando comercialmente há pouco tempo. Surgiu a ideia de fazer o que seria, talvez, o primeiro Flight Check que se tem notícia na aviação comercial. Mais um serviço pioneiro de nossa revista, visando mostrar ao leitor as sensações de um voo supersônico. Reproduzo aqui o mesmo, com algumas modificações e mais dados do que o original publicado em 1976.
Texto: Carlos André Spagat
Tomei a decisão de fazer este voo, porém a passagem era muito cara, mais de 25% do que o preço de uma primeira classe, e a Air France não deu um centavo de desconto, talvez por não acreditar no sucesso que seria esta matéria. Juntando os tostões, consegui o suficiente para iniciar essa jornada histórica.
A primeira dúvida era saber se faria o trecho de ida ou de volta no Concorde, pois ambos seriam muito parecidos no serviço e não compensaria financeiramente adquirir as duas pernas. O voo de ida saía do Rio de Janeiro às 20 horas, chegando a Dacar no meio da noite, quando os passageiros deveriam desembarcar e ficar uma hora no solo, quebrando o ritmo de viagem e do sono, e chegando a Paris às 7 horas da manhã. Como o avião não era confortável, pois suas poltronas eram apertadas, o noturno parecia uma péssima escolha. Optei pelo diurno.
No dia 8 de setembro de 1976, iniciei em Londres minha esperada experiência. Fui ao balcão da Air France, onde recebi os tickets, tanto para o voo Londres-Paris como Paris-São Paulo, todos nas poltronas 1A. Foi interessante para comparar, pois o trecho inicial foi voado na primeira classe de um A300, de cadeiras largas e confortáveis, bem diferentes das do Concorde.
Um funcionário da Air France em São Paulo me deu uma dica importante. Chegue muito antes dos outros viajantes e despache imediatamente a bagagem. A razão é simples: o Concorde tem porões de bagagem com espaço muito limitado e logo os mesmos ficam cheios e o restante segue em outro avião para o Brasil, obrigando o passageiro a buscar na alfândega no dia seguinte. O que a empresa alegava é que o Concorde foi feito para viagens de executivos, que, teoricamente, levam uma pequena mala e, para isso, o avião está perfeitamente adaptado. Mas isso não funciona com os brasileiros, que levam muita bagagem recheada de compras. Macete esperto e que funcionava. Chegando a Paris, fui levado a um lounge, onde foram servidas bebidas e comidinhas. Antes do embarque, fiquei namorando, através das janelas, o Concorde, com sua asa delta, suas linhas ímpares, de elegância e refinada aerodinâmica.
Ingressando no avião, o primeiro choque: a fuselagem é muito estreita para qualquer padrão, as poltronas seriam hoje, no máximo e olhe lá, turista-comfort e jamais de primeira classe, com capacidade para apenas 100 passageiros, divididos em dois compartimentos de 40 e 60 cada, um com área de fumantes e outro para não fumantes. Ao tomar o assento, verifiquei que a reserva feita em Londres de nada valia, me deixando à mercê dos tripulantes que escolhiam os lugares para nós. O bom gosto da decoração, toda em bege e marrom-claro, não me tirou a impressão de estar voando num Avro 748 ou YS-11 Samurai, mais bem decorado, tão pequena é a circunferência da cabine.
As janelas são minúsculas, do tamanho de um livro de bolso, que davam uma impressão meio claustrofóbica e não permitiam uma boa visão. Na parte de trás da poltrona havia um interessante espelhinho como encontrado no para-brisa de carros, com um compartimento oferecendo lenços perfumados e papéis para cartas.
Chegou a hora tão esperada dos preparativos para o voo. São ligadas as quatro turbinas Olympus, cujo ruído era do mesmo nível dos aviões de então, como o DC-10 e o Boeing 747-200. Taxiamos lentamente até atingir a pista. Em seguida a potência total foi aplicada, gerando um barulho ensurdecedor, especialmente para quem está na parte atrás da cabine, por causa do afterburner (pós-combustão das turbinas), parece que o mundo vai acabar, porém alto, mas não tão perturbador nas poltronas da frente. Dá-lhe pista, o bichinho corre bastante e sobe num ângulo bem menos acentuado do que esperávamos. Todos olhando para o machímetro digital situado na parte da frente da cabine, para aplaudirem assim que o avião atingir Mach 1 (1.240 quilômetros/hora), portanto, transpondo a velocidade do som.
Como o Concorde não podia voar supersônico sobre o território francês por questões ambientais, demoramos 34 minutos até atingir a mesma, sem nenhum tranco ou sensação de maior aceleração, que não mudou em nada a rotina do voo. Depois de algum tempo, atingimos o Mach 2,04, ou seja, mais de 2.000 quilômetros/hora, a 17.000 metros de altura, onde estabilizamos, podendo-se apreciar um céu azul-escuro e perceber a curvatura de nosso planeta.
Anunciaram o almoço e, apesar da tarifa caríssima, veio uma pequena seleção de entradas de muito bom gosto, porém em uma bandeja um pouco maior que a da classe econômica. As mesmas foram servidas em porções reduzidas, mas com o que existe de melhor na gastronomia: foie gras com trufas, caviar malossol, pato com cerejas e salmão defumado. O prato principal apresentava uma lagosta guisada servida com pequenos legumes torneados, uma especialidade bretã, entretanto, a sobremesa foi bem comum. Tudo regado a vinhos de cepas nobres, licores e outras bebidas. Refinadíssimo, nota 10. Não dava para servir maiores porções, pois as galleys são muito pequenas e não comportam mais volume. Os comissários tiveram problemas sérios em servir os passageiros nos trolleys, pois o espaço para passá-los é mínimo, com folga de centímetros entre as poltronas, e a todo momento esbarravam nos mesmos. Depois da sobremesa, passaram uma bandeja de charutos cubanos Partagas, embalados em tubos individuais de metal, mas só que era proibido fumá-los a bordo.
Pegamos uma turbulência pesada durante o procedimento de pouso e nós que estávamos nas primeiras poltronas, olhando para trás, víamos a parte traseira praticamente torcer, dando uma sensação muito estranha, mas a comissária nos acalmou dizendo que era assim mesmo, para dar flexibilidade à fuselagem em caso de tempo muito ruim e preservar a integridade estrutural do avião. Ah bom!!!
Pouco depois, com mais três horas de voo, pousamos em Dacar, no Senegal, nosso ponto de escala, onde, infelizmente, o avião varou a pista em poucos metros e teve que ser rebocado, sem maiores consequências, até a área de embarque. Em seguida, fomos convidados para um champagne brunch na sala VIP do aeroporto, que era de uma pobreza ímpar e um serviço que chegava ao descalabro, nos fazendo ficar ansiosos para voltar para a nossa máquina.
Embarquei e, para minha surpresa, lembro até hoje emocionado, o comandante me convidou para assistir à decolagem na cabine, fato impensável e inimaginável nos dias de hoje. O painel do engenheiro de voo era tão comprido que a cadeira do mesmo corria em um pequeno trilho paralelo à fuselagem. O check list demorou quase 30 minutos. O Concorde, por questões de visibilidade, abaixa o nariz durante o pouso e a decolagem, se tornando até deselegante, mas sua linha stream volta a ficar evidente quando sobe o mesmo, não permitindo ver quase nada à frente, porém retornando a aerodinâmica necessária para voar sem arrasto. O cockpit é bem silencioso e fui apresentado a vários instrumentos desconhecidos por mim, pelo engenheiro de voo. Atingindo rapidamente a altitude de cruzeiro, voltei à minha poltrona para mais três horas de voo cruzando o Atlântico Sul.
Outra particularidade são as toaletes, que, em vez de ficarem atrás do avião, estão localizadas nas laterais, o que é complicado, porque como a fuselagem é estreita e baixa e a curvatura acentuada, para uma pessoa alta, é muito difícil entrar de pé, sempre tendo que dobrar um pouco o corpo. O avião inteiro aplaudiu um passageiro de quase 1,90 metro de altura quando saiu do banheiro, pelo contorcionismo que fez para ingressar no mesmo.
Serviram um lanche mixuruca para uma tarifa tão cara, apresentado em uma bandeja: sanduíches de queijo com salsicha, presunto com abacaxi e patê de vitela, acompanhados de um minipedaço de torta de maçã com chantilly.Três horas depois, pousamos suavemente no Galeão e, no portão ao lado, um Boeing 737-200 da Vasp estava pronto para decolar levando os passageiros com destino a São Paulo, com conexão imediata ao aeroporto de Congonhas, e fomos direto de um avião para o outro; serviço porta a porta.
Avaliação: as notas vão de 0 a 10
Check-in: nota 10
Tratamento classudo, cortesia e alegria em servir.
Embarque: nota 10
Fomos escoltados por vários funcionários, que faziam questão de nos paparicar, tornando tudo rápido e agradável.
Assento: nota 6
Poltronas um pouco apertadas, embora forradas de couro de primeira qualidade. Toda decoração de ótimo gosto.
Serviço dos comissários: nota 10
O crème de la crème da Air France. Aristocratas, elegantes com uniformes de Balenciaga, experts em vinhos e gastronomia.
Bebidas: nota 10
Vinhos de safras nobres, acima da média de muitos ótimos restaurantes, e sem nada comparável na aviação daquela época.
Refeições: nota 10
Embora em porções pequenas, o melhor da gastronomia francesa, servida com requinte insuperável.
Nécessaire: nota 10
Todo de couro legítimo, com produtos Hermes, incluindo dois frascos de perfume. Um luxo!
Desembarque: nota 10
Perfeito, organizado, personalizado e muitos “zados” mais.
Pontualidade: nota 10
Tudo nos trinques.
Nota final: 9,55
Comentário final: voei várias vezes no Concorde apenas como entusiasta, pois como passageiro regular, na rota da América do Sul, não valia a pena. O trecho Paris-Dacar demorava três horas de voo mais uma hora de espera na capital do Senegal e, finalmente, o trecho Dacar-Rio, mais três horas, totalizando apenas sete horas. Se voasse na primeira classe normal, num 747, por exemplo, o tempo de voo seria de dez horas, porém com uma poltrona-leito, onde você podia dormir de verdade, banheiros com espaços decentes e uma ótima e farta refeição, custaria 25% mais barato, ou seja, você chegaria mais descansado e com o bolso mais leve.
Todas as limitações aqui apresentadas, aliadas ao aumento brutal do combustível daquela década, e o Concorde era um beberrão emérito, acabaram contribuindo para apressar o final de carreira desse avião no Atlântico Sul, porém fica um marco na história de vida para cada passageiro que, como eu, viveu uma experiência única e que não há previsão de retornar.
Confira mais fotos abaixo:
Sobre a Flap Internacional
A partir de um jornal feito por estudantes adolescentes no início da década de 60, Flap Internacional atravessou cinco décadas de história, transformando-se na mais importante revista de aviação da América Latina!
Presidida pelao meu grande amigo e lenda do mercado de aviação, Carlos Spagat, a Flap Internacional é sem dúvida, a mais completa revista sobre aviação da América Latina, vista inclusive como fonte de consulta e pesquisa.
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Nosso comentário!
Compartilho do sentimento do Spagat que para esta rota preferiria ir de First da Air France, deitado, rs! Agora, como entusiasta, o Concorde era simplesmente SENSACIONAL!!!
O que vocês acharam? 🙂