Hoje no quadro Perrengues de Primeira vamos compartilhar a história do Roberto, que passou por um mega sufoco para conseguir sair do Irã. Ele nos conta toda a sua saga e como fez para conseguir embarcar em um voo para deixar o país! Vale a pena acompanhar esse relato tenso, porém divertido!
Perrengue de Primeira
Oi, passageiros…
Tenho lido as histórias relatadas aqui e digo que se os perrengues de vocês ganhassem uma nota de zero a dez, eu tirei onze com louvor e estrelinhas ⭐️⭐️⭐️.
Imaginem uma viagem à trabalho de 20 dias, saindo de São Paulo, passando por Miami e Charlotte (North Carolina), Melbourne e Sydney (Austrália), Hong Kong, Tehran (Irã), Doha (Catar) e voltando para casa em São Paulo.
Antes de embarcar nas experiências do PP e emitir várias passagens de executiva utilizando milhas, eu sempre foquei as minhas emissões na American Airlines, onde cheguei a ser Executive Platinum, usando o systemwide upgrades nos meus vôos.
Meu roteiro se iniciou dia 07 de agosto de 2016 (dia do meu aniversário), e se estendeu até o dia 27 de agosto. Menciono aqui o meu aniversário, porque ao embarcar em GRU, antes de passar na Polícia Federal, encontrei uma nota de 50CAD (dólares canadenses) vermelha dobradinha no chão perto da cabine da PF. Peguei a nota dobrada e coloquei na capa do porta-passaporte. Lembro que ainda pensei – ganhei de aniversário!!
Minha emissão
American Airlines
- São Paulo – Miami – Charlotte
- Charlotte – Los Angeles
Qantas
- Los Angeles – Melbourne
- Melbourne – Sydney – Melbourne
Cathay Pacific
- Melbourne – Hong Kong
Qatar Airways
- Hong Kong – Doha – Teerã
- Teerã – Doha – São Paulo
No Irã
Vamos aos fatos.. a viagem foi longa, foi cansativa, diferentes time zones… foi produtiva e como eu já tinha ido para todos esses lugares, o ponto alto era Teerã, porque eu nunca imaginei que um dia iria pisar lá.
O perrengue fica por conta da volta. Eu havia feito um voo com o meu cliente iraniano para Tabriz, que é a 2ª maior cidade do Irã, depois voamos de volta pelo aeroporto local, aterrissando por volta de meia-noite do mesmo dia, no Aeroporto Internacional Imam Khomeini, em Teerã.
Eu tinha um voo da Qatar saindo às 05:35hs com chegada em Doha às 06:10hs. Iria apenas conectar, já que meu próximo voo partiria às 08:25hs com chegada prevista no Brasil às 16:45hs. Tudo lindo e sincronizado, depois de 3 semanas de viagem.
Como eu mencionei acima, à época, eu era Executive Platinum da AA, então mesmo na econômica do voo de Teerã para Doha, eu tinha acesso às facilidades no trânsito do aeroporto e sala VIP. Para quem já viajou pelo mundo, sabe que alguns aeroportos se parecem mais com rodoviárias, são lotados, pouca infra-estrutura, uma zona geral.
Cheguei no check-in da Qatar e apesar da hora maluca, o aeroporto estava bombando!
Fui direto para a fila preferencial da classe executiva e fiz o check-in, despachei as malas, tive a sorte de um funcionário me acompanhar em um guichê preferencial por conta do status, longe da muvuca e passei pela segurança rapidamente, raio-x, documentos, o praxe normal.. tudo isso não levou nem 20min.
Meu voo era 05:35hs, vou para o portão às 4:30hs, e estou sussa… pensei 😏
A sala VIP do Aeroporto de Teerã fica no subsolo – passando a segurança, tem um saguão com lojas velhas e produtos locais, típicos doces iranianos, perfumes, cigarros e um balcão de informações no centro, e mais adiante, 4 portōes de embarque para a esquerda e 4 portões de embarque para a direita. Como é um país que tem barreiras econômicas com os EUA e é banido por todos, são poucas companhias e poucos voos que servem o país.
Fui para a sala VIP comer e descansar um pouco. Fiquei de olho no monitor para a chamada do meu vôo. O monitor era de baixa resolução, um negócio estranho, aqueles caracteres verdes.
Resolvi me garantir e fui conversar com a recepcionista, saber se eles anunciariam os voos. Ela simplesmente respondeu – fique de olho no monitor para a chamada do seu voo.
Ok, vamos nos garantir então, não vou bobear, quero ir para casa, chega de viajar… o voo sai 05:35hs… chego 04:30hs no portão, estou coberto.
Chequei a hora, 02:00hs, vou ficar aqui na sala VIP, não tem nada para ver nesse aeroporto. Adormeci, coloquei o despertador por garantia, para 03:00hs. Tudo certo.
Acordei com o alarme do telefone, fui ao banheiro, comecei a guardar as coisas que tinha espalhado, laptop, carregadores, tudo certo.
O começo do sufoco
Subi as escadas às 03:15hs, quando vou para o fundo do saguão e viro para a esquerda em direção ao meu portão, vejo um mar de 200 pessoas se aglomerando no corredor.
Fui na cara de pau pelo cantinho, pedindo licença, raspando pela parede e consegui chegar lá na frente. Encontrei um italiano e perguntei o que estava acontecendo?
Ele me disse que estava parado lá fazia uns 40 minutos e aí fui entender que na nossa frente havia OUTRO posto de polícia para checar o passaporte e raio-x DEPOISSS que eu já havia feito todo o trâmite igual para entrar na área de embarque!!
E para piorar, estava tudo parado, porque a equipe de policiais saiu para fazer a troca de turno e a outra não havia chegado para substituir a anterior.
O tempo foi passando… 04:30hs… 5:00hs… 5:15hs…
Estava de mãos atadas e não podia sair dali, porque se o posto abrisse, iria perder novamente o lugar que eu cavei com dificuldade.
Finalmente chegou a patrulha nova e a manada começou a andar. Consegui chegar no portão às 05:30hs e adivinhem… portão CLOSED, e ninguém para falar.
Tentei voltar para ao balcão de informações no saguão e tive que deixar o meu passaporte com um policial para poder sair… tudo estava ficando mais complicado…
Algumas informações daquele momento
- Quando eu passei por Hong Kong, praticamente usei todo o resto de cash que tinha, porque comprei 12 câmeras GoPro que usamos em uma promoção de vendas na empresa.
- Eu já havia sido avisado pelo meu cliente iraniano, que estava felicíssimo que eu estava indo lá pessoalmente visitar o seu país, que não era para eu me preocupar com nenhuma despesa, hotel, alimentação, passagem aérea local, nada.
- No Irã não existe cartão de crédito – como são brigados com o mundo, nenhuma empresa americana pode ter relação comercial com eles, então esquece American Express, Visa, Mastercard. Esquece Santander, Citibank, ou qualquer outra bandeira global.
- O sistema bancário deles só aceita cartão de débito de bancos iranianos e não usam nenhuma moeda estrangeira, somente o rial iraniano e outras moedas que só podem ser trocadas em casas de câmbio oficiais no aeroporto.
Primeira tentativa
Cheguei ao balcão de informações e a atendente localizou um funcionário da Qatar que veio me ajudar. Após explicar toda a situação, ele me levou para uma sala administrativa da Qatar no subsolo do aeroporto. Pesquisando a minha reserva no computador, eu já sabia e ele também concluiu que a emissão daquela teia de costura de todas aquelas companhias aéreas que faziam parte da oneworld, pertencia à Qantas.
Qantas é australiana e para remarcar o voo perdido, o funcionário da Qatar me explicou que ele teria que falar com o escritório da Qantas para fazer o cálculo da remarcação. Simples, não? Dia 26 de agosto de 2016 era uma sexta-feira, já era por volta de 07:30hs e Melbourne estava 07 horas e 30 minutos à frente de Teerã. Fazendo a conta, 13:00hs na Austrália… Brasil nem pensar… eu não teria com quem falar àquela hora porque Teerã estava 06:30hs à frente, portanto, 01:00h da manhã no Brasil.
Ligou uma vez… ninguém atendia… tentou umas 3x e nada.
Eu já pensando assim – bom, tenho meu cliente aqui, no pior cenário, vou ter que ligar para ele, voltar para um hotel, fazer tudo pela agência que emitiu a passagem no Brasil e não vou morrer em Teerã, só esticar mais um fim de semana de uma viagem de 21 dias por 3 continentes.
Uma voltinha pelo aeroporto
O funcionário me disse – vai tomar um café, eles devem estar almoçando, volte daqui à 1 hora e eu vou recuperar as suas malas e seu passaporte. Quando você voltar, tentamos novamente. Pensei, tomar um café… não tenho nem uma moeda iraniana para um chiclete… OK, subi para o saguão, sentei num canto encostado na parede… estava esgotado… e fiquei matando o tempo até voltar lá.
Nessa hora, caiu a minha ficha – peraí, vai ter que remarcar a passagem, mas eles não aceitam nenhum cartão de crédito e eu estou praticamente liso!
Comecei a mexer na minha mala de mão, na capa do passaporte, na carteira… contabilizei uma nota de USD100 (aquela nota sagrada que você guarda para a hora da morte) e achei também a bendita nota de 50CAD dólares canadenses que “ganhei” de aniversário 3 semanas atrás. Fazendo uma pesquisa rápida pela internet, mais umas moedas… eu tinha em mãos, a fortuna de USD140.
Nova tentativa
Passou uma hora e eu voltei à salinha da Qatar. O funcionário já tinha recuperado minhas malas e o meu passaporte. Comecei a ver uma luz no fim do túnel. Até então eu também não sabia quais opções de voos eu teria para a remarcação.
Ligou novamente para a Qantas e conseguiu ser atendido, explicou a situação e recebeu as opções de remarcação e diferença de tarifas. Já era por volta de 09:00hs da manhã em Teerã.
Temos um vôo saindo às 10:30hs e outro às 13:00hs, ele disse.
– Ótimo, já consigo sair daqui… ½ caminho andado… e depois, o voo de Doha para São Paulo?
– Ah, esse só tem amanhã de manhã, o mesmo horário de hoje, o voo sai às 08:25hs da manhã, somente um por dia.
Todos os vôos tem lugares disponíveis… claro, quem sai de Teerã para Doha numa sexta-feira de tarde?
E quanto eu tenho que pagar de diferença? Já esperando alguma coisa na casa dos mil dólares…
A menor tarifa vai ser você pegar o voo das 13:00hs, a remarcação total vai ficar um valor de… e ele falou um número gigante, que eu não consegui quantificar, porque estava em moeda iraniana. Aí pegou a calculadora, fez as contas e falou – a remarcação vai ficar em USD 214
Uuufa… não é uma quantia assustadora. Bom, vamos ao que interessa…
A hora do pagamento
Aceita Mastercard? Amex? (eu já sabia a resposta)… – Não, não aceitamos. Somente rial e cartão de banco iraniano (só rindo…)
Peguei as notas e moedas e coloquei na mesa. Comecei a história triste, estou viajando faz 3 semanas, não me preparei para essa situação… vou ligar para o meu cliente vir aqui pagar a diferença.
O funcionário da Qatar já estava tão sensibilizado, ou de saco cheio de me aguentar a manhã inteira, que ele se levantou, abriu uma gaveta, pegou um envelope da empresa e abriu. Dentro tinha um maço de notas pequenas, tipo, 10, 20, 50… de moeda local. Ele pegou meu dinheiro, juntou o envelope embaixo do braço e me explicou – esse dinheiro é um fundo de despesas da companhia aérea, para gastos corriqueiros, tipo café, documentos, emergências (tipo a minha!!), etc. Eu vou subir na casa de câmbio, trocar as suas notas, juntar com o valor adicional que vai faltar e fazer o pagamento da troca do bilhete.
Fiquei lá por mais uns 20min e ele voltou.
– Pronto, tudo resolvido, ele disse. Vamos refazer o seu check-in e alfândega novamente.
Procedimentos finalizados, obviamente que eu fui para o gate quando faltavam 2hs para o voo, não queria correr mais nenhum risco desnecessário.
Nesse meio tempo, surgiu mais uma situação… em 2016 ainda era obrigatório o visto de entrada para o Catar, então eu já sabia que iria chegar por volta de 15:00hs e “morar” na sala VIP do aeroporto de Doha por cerca de 16 horas seguidas!
Santo status!
Embarquei em Teerã (nem acreditava, quase beijei a aeromoça de felicidade), pousamos em Doha, fui para a sala VIP, e passei as próximas 16hs explorando o aeroporto, fui fazer massagem no spa, comi, dormi, assisti filmes da Netflix no laptop… fiz hora, fiz hora, fiz hora./. mas estava tranquilo, porque sabia que o perrengue estava chegando no fim.
Eu trabalho na área internacional da empresa e viajo muito, muito, difícil achar um país em que eu não estive, ou não tenha passado por ele. Em 2016 atingi a marca de 67 voos internacionais, não estou falando de ponte-aérea, e sim voos de média e longa duração.
Claro que já passei aperto de horário indo para GRU, por conta de um fim de tarde de temporal, aquele que pára São Paulo e você leva 3 horas e meia para chegar no aeroporto e faltando 20min para encerrar o embarque… massss nunca havia perdido um voo e para piorar, num lugar como Teerã, em que o seu espaço de manobra não permite muito.
Final feliz – após uma experiência do tipo Tom Hanks em “The Terminal” finalmente consegui embarcar na manhã seguinte para o Brasil e acabou tudo bem.
A viagem para o Irã gerou novos perrengues
Mais uma coisa a acrescentar – enquanto mantive aquele passaporte que tinha o meu visto americano em um passaporte antigo e o meu visto do Irã no passaporte novo, fui parado pelo menos 4x na entrada dos EUA e mandado para entrevista na salinha da TSA (Transportation Security Administration), com as perguntas mais incríveis, da segurança americana.
– O que vc foi fazer no Irã? Tem contatos no governo?
– Você tem background militar?
– Você trabalha com armamentos?
– Porque você já foi para o Irã e para Israel?
Que preguiça… Isso só cessou quando eu troquei de passaporte novamente e não precisei mais mostrar aquele com o visto do Irã, que parece mais um ticket de entrada da Incrível Fábrica de chocolates do Willy Wonka, de tão colorido…
Safe travels para todos!
Roberto
Comentário
Perrengue épico do Roberto! Um verdadeiro sufoco que contou com a ajuda de um prestativo funcionário da Qatar com boa vontade para resolver a situação.
O relato é ótimo e nos alerta da importância de nos prepararmos quando planejamos uma viagem, principalmente se for para algum destino não muito popular. Se alguém tem planos de viajar para o Irã, leve dinheiro em espécie para trocar no aeroporto e chegue com muita antecedência ao gate, rs
O Roberto viajou para lá em 2016, alguém que tenha visitado o país mais recentemente sabe se a situação se mantém assim por lá?
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