Hoje temos mais uma matéria #TBT do PASSAGEIRO DE PRIMEIRA (ThrowbackThursday)!
Nesta série de relatos, reportagens e avaliações, vamos trazer um gostinho nostálgico para o PP! Mostraremos como era experiência de voar em aviões antigos, reportagens, cias aéreas extintas, curiosidades e muito mais.
Mais uma vez, obrigado a Revista FLAP por compartilhar o acervo conosco!
#TBT desta Semana!
Empresa criada para levar a bandeira britânica ao Brasil e à América Latina. A antecessora da British Airways mostrou que aviões e métodos militares não são seguros para a aviação comercial.
Esperamos que gostem, confiram!
Texto: Carlos Spagat
Voar para a América do Sul sempre representou um desafio para os primeiros aviadores europeus. A travessia do Atlântico Sul, o voo sobre regiões desconhecidas e a transposição dos Andes se constituíam em enormes conquistas para os pilotos pioneiros do Velho Continente.
Além disso, existiam interesses econômicos na região que necessitavam de ligações rápidas para o transporte de correio e passageiros. Nas décadas de 1920 e 1930, franceses e alemães enfrentaram aqueles enormes desafios com galhardia, executando voos regulares com aviões primitivos.
Ainda antes da Segunda Guerra Mundial, uma empresa italiana também iniciou serviços aéreos para o nosso continente. O conflito que se seguiu, obrigou a interrupção das viagens aéreas entre a Europa e a América do Sul. Mas tão logo a paz foi restabelecida, foi reacendido o objetivo de efetuar voos civis sobre o Atlântico Sul. Desta vez, os alemães e italianos não puderam participar do empreendimento por sua precária situação econômica. Entretanto, os britânicos, que antes não haviam operado na região, resolveram planejar linhas comerciais para países sul-americanos. Afinal, existiam inúmeros investimentos britânicos na região, representados por bancos, frigoríficos, seguradoras e outras empresas, além de haver um fluxo de comércio importante para carnes, trigo, lãs e minerais.
Com o final da guerra se aproximando, cinco companhias de navegação britânicas pensaram em criar uma empresa aérea para ligar o Reino Unido à América Latina. A Booth Steamship, a Royal Mail Line, a Pacific Steam Navigation, a Lamport and Holt Line e a Blue Star Line se associaram para fundar a British Latin American Airlines Ltd. E John Booth, da primeira das empresas enumeradas, foi escolhido para presidente do conselho. Os serviços aéreos seriam uma forma de complementar as linhas marítimas, numa época em que a aviação comprovara sua importância em tempos de guerra. Além disso, a infraestrutura de vendas das empresas de navegação apoiaria a comercialização dos bilhetes e cargas aéreas.
Em março de 1945, entretanto, o governo britânico determinou que o transporte aéreo seria executado por três empresas estatais. As rotas domésticas e europeias seriam operadas pela British European Airways (BEA). A British Overseas Airways Corp (BOAC), que já existia antes da guerra, voaria as linhas intercontinentais para os EUA, África e Oriente, enquanto as rotas para América Latina ficariam para a British South American Airways (BSAA), que substituiria a recém-criada BLAA.
A BOAC, que já tinha experiência e uma grande infraestrutura, reclamou sobre a divisão das linhas intercontinentais, devido à duplicação de esforços, mas a decisão governamental havia sido definitiva. O controle da BLAA passou à BOAC e foi repassado pouco depois diretamente ao governo. John Booth permaneceu como presidente do conselho, e foi convidado para presidente executivo o vice marechal do ar Don Bennet, um herói de guerra considerado especialista em aviões.
Bennett era australiano de nascimento, mas cedo foi para a Grã-Bretanha, onde tornou-se piloto da Imperial Airways, depois denominada BOAC. Nessa empresa Don Bennet voou nos hidroaviões Short Class C. Ele foi o comandante do primeiro voo para a África do chamado Short Mayo composto, sendo que um Short Class C, modificado com casco mais largo, transportava em seu dorso um quadrimotor menor, o Mercury. Após ser atingida uma altitude de 1.500 metros e um ponto a cerca de 200 quilômetros do local de partida, o avião de cima, aproveitando-se da portância máxima proporcionada pelo conjunto de aeronaves, se desengatava e prosseguia viagem. O teste feito por Bennett permitiu voar da Irlanda até o destino final na África do Sul. Com a eclosão da guerra, Bennet foi convocado pela Royal Air Force, onde sua primeira função foi planejar e efetuar com sucesso os voos de translado dos aviões Hudson, de fabricação americana, para a Inglaterra. Posteriormente, seu novo esquadrão foi encarregado de bombardear o encouraçado alemão Tirpitz, num fjord norueguês.
Nesta missão, em que o Tirpitz foi afundado, Bennet foi abatido, saltou de paraquedas e escapou de volta à Grã-Bretanha, através da Suécia. Em 1942, Bennet foi transferido para o Comando de Bombardeiros do famoso Bert Harris. Lá, ele foi encarregado de criar a Pathfinder Force, uma nova unidade que deveria fazer uma navegação de alta precisão, localizar e iluminar com fogos de artifício alvos inimigos. As formações de bombardeiros noturnos se seguiam e lançavam seus artefatos sobre as instalações alemãs. A precisão dos bombardeiros britânicos, que era até então muito baixa, melhorou muito graças à Pathfinder Force. Entretanto, este grupo, por ser o primeiro a sobrevoar os alvos e por iluminá-los com fogos de artifício, era atacado intensamente pela artilharia antiaérea, tendo perdas muito elevadas. Enquanto o comando de bombardeiros tinha uma taxa média de perdas de 5%por missão, a Pathfinder em agosto de 1942 perdia 10% de seus aviões em cada sortida efetuada.
Ainda durante o período da guerra, os Estados Unidos fizeram uma forma de divisão de esforços em relação à produção de aviões. A Grã-Bretanha ficou encarregada de planejar e fabricar aviões de combate, como caças e bombardeiros, enquanto os americanos produziriam, além daqueles modelos, os aviões de transporte. Assim a Grã-Bretanha não obteve uma evolução significativa nesta área. Mas quando a situação do conflito permitiu antever a perspectiva de vitória, foi criado o Comitê Brabazon, um grupo governamental destinado a verificar as necessidades e planejar novas aeronaves de transporte para os tempos de paz. A partir daí, foram desenvolvidos cinco modelos de aviões, entre os quais o Comet, o Viscount e o Britannia. Em 1945, entretanto, essas aeronaves ainda se encontravam em fase inicial de planejamento.
No final de 1945, a única maneira de voar aviões britânicos em linhas comerciais era aceitar bombardeiros transformados para transportar passageiros. O Avro Lancaster, que ficou famoso como bombardeiro pesado, sofreu uma conversão para uso civil, sendo que as torres de metralhadoras do nariz, do dorso e da cauda foram retiradas e o compartimento de bombas foi lacrado. O nariz ganhou um cone afilado, assim como a extremidade da cauda, enquanto a parte posterior da fuselagem recebeu instalações para passageiros. Mas a fuselagem era muito fina (na versão militar o Lancaster tinha posição para um único piloto) e a adaptação era precária. Foi possível colocar um comando adicional para um copiloto ao lado do comandante, já que a passagem para o nariz (onde passou a se localizar o bagageiro acessado por fora) não era mais necessária. Logo atrás, ficavam um navegador e um radiotelegrafista, em seguida trabalhava uma aeromoça num espaço exíguo entre as asas, com caixas de comidas e bebidas. A cabine de passageiros ficava mais atrás e era muito estreita, sendo possível colocar apenas um banco lateral para nove pessoas ou uma fila de poltronas com 13 lugares. O bombardeiro assim adaptado passou a ser conhecido como Lancastrian e a BSAA o adotou com total aprovação de Bennet.

Detalhes dos motores e da asa de um Lancastrian
O Lancastrian tinha aquecimento para a cabine de passageiros, mas logicamente não era pressurizado. Seus quatro motores Rolls-Royce Merlin, com disposição de cilindros em “V”, concebidos para aviões de combate, tinham a metade dos tubos de descarga virados para a fuselagem, e transformavam a viagem num desses aviões em uma experiência inesquecível, em termos de nível sonoro. Embora a velocidade do Lancastrian fosse comparável à do DC4, sua produtividade era muito menor devido a seus apenas 13 lugares. Um Lancastrian podia produzir por hora de voo cerca de 4.030 assentos/quilômetros contra 13.640 (3,4 vezes mais) de seu contemporâneo americano DC4.
Este último tinha 44 lugares, era infinitamente mais silencioso, muito mais confortável e muito mais confiável tecnicamente. O curioso é que o consumo horário de combustível de ambos os aviões era praticamente igual (cerca de 750 litros/hora). Comparado ao Constellation L 049, que a Panair do Brasil começou a operar para Europa em meados de 1946, as coisas ficavam ainda piores para o Lancastrian, já que o modelo americano era 45% mais rápido, tinha pressurização, tinha maior alcance e sua produtividade era cinco vezes mais elevada.
A Grã-Bretanha, entretanto, enfrentava grandes dificuldades financeiras, obrigando seus súditos a economizarem divisas, comprando quase exclusivamente produtos locais. Além disso, Bennet era nacionalista e ficou satisfeito em receber os Lancastrian, pois ele era a versão civil do principal avião da Pathfinder Force.

Este anúncio caracterizou-se pelo exagero, já que voo Londres/Rio de Janeiro divulgado com chegada no dia seguinte na América do Sul, na verdade, levava 30 horas mais as escalas e para chegar até Santiago levava três dias e meio
O outro modelo de avião destinado pouco depois à BSAA foi o York, outro derivado do Lancaster. Para o York, os engenheiros da Avro haviam projetado em 1942 uma fuselagem um pouco mais larga com corte seccional quadrado, com as extremidades ligeiramente arredondadas. As asas, motores, trem de pouso com bequilha fixa e a cauda eram do Lancaster. Mas as asas foram posicionadas na parte superior da fuselagem e posteriormente os voos de testes demonstraram características distintas de manobrabilidade, levando à necessidade de inserir uma deriva central, para melhorar a estabilidade longitudinal.
O York, com sua fuselagem um pouco mais larga, podia transportar 21 passageiros, em filas com duas poltronas do lado direito e uma do lado esquerdo, oferecendo um espaço interno maior. A fuselagem mais volumosa, entretanto, aumentou o arrasto, tornando o avião um pouco mais lento e com menor alcance que o Lancastrian.
A BSAA, para iniciar suas operações, recebeu seis Avro Lancastrian e pouco depois quatro Avro York, além de quatro Lancaster para treinamento. A empresa tinha como sede um escritório no centro de Londres, onde Bennet entrevistava pessoalmente os candidatos a trabalho. Como no início não havia uniformes, os pilotos (a maioria vinda da Pathfinder Force) usavam os originais da Royal Air Force. Para um piloto receber o posto de comandante na BSAA, tinha que tirar a licença de navegador de primeira classe, uma exigência essencial para quem havia se celebrizado pela navegação precisa durante a guerra.
Bennet era considerado como extremamente voluntarioso, exigente e teimoso, mas excelente piloto e com inegáveis qualidades de liderança. Ele só acreditava em produtos ingleses, e instrumentos de navegação como o rádio compasso, já disponível em 1946, não eram por ele aceitos por serem de origem americana. Como consequência, os problemas de pouso por instrumentos ficavam extremamente difíceis para os pilotos da BSAA e a aproximação visual era empregada com frequência. Bennet considerava seus pilotos com experiência de voo em guerra e com licença de navegador como aptos para o comando de uma aeronave comercial e dispensou a implantação de procedimentos e rotinas de voo como existiam na BOAC. Uma ocasião, ao ver uma aula dada por seu piloto chefe a seus tripulantes técnicos sobre problemas de aproximação nos aeroportos das rotas, considerou-a desnecessária, assim como os manuais dela resultantes.
A BSAA fez seu primeiro voo experimental à América do Sul com Bennet aos comandos no dia 1o de janeiro de 1946. A rota partia de Londres, fazia escalas em Lisboa, Dacar, Natal e chegava ao Rio de Janeiro após 30 horas
de voo, mais o tempo nas escalas. Tudo isso com os mesmos tripulantes, que só viriam a dormir no Rio, e que no dia seguinte de manhã seguiam viagem para Buenos Aires e Santiago, onde chegavam três dias e meio após partirem de Londres.
Ainda em 1946, a BSAA teve uma injeção de capital de 10 milhões de libras, uma quantia vultosa para a época, em especial considerando-se que a moeda britânica ainda não havia sido desvalorizada. A BSAA eventualmente operou nove Lancastrian, 12 York, além dos quatro Lancaster usados só para treinamento. Com as restrições técnicas dos aviões utilizados, o treinamento deficiente dos pilotos para as rotas, para voos por instrumentos e noturnos, para adaptação ao York e escalas de voo para pilotos apertadíssimas, os acidentes começaram a se suceder. Apesar da BSAA só ter sido incorporada em sua forma jurídica definitiva em 1o de agosto de 1946, os voos para a América do Sul já estavam em andamento e os acidentes começaram a ocorrer.
No dia 30 de agosto, Bathurst (hoje denominada Banjul), em Gâmbia, foi palco de um acidente com um Lancastrian durante o pouso. Poucos dias depois, a 7 de setembro, um York decolou à noite de Bathurst sob alta temperatura para atravessar o Atlântico e acidentou-se.

A BSAA começou as operações com os Avro York e Lancastrian
O elevado índice de acidentes não impediu a BSAA de continuar a expandir suas rotas e, no início de 1947, ela operava, além da linha para o Chile, via Brasil e Argentina, uma outra rota partindo de Lisboa, passando por Santa Maria (Açores), Hamilton (Bermudas), Nassau (Bahamas), Kingston (Jamaica), Barranquilla (Colômbia), Lima e Santiago. Naquele início de operações, a maioria dos passageiros era formada por homens de negócios, diplomatas e os denominados “mensageiros do rei”, funcionários do governo encarregados de levar a mala diplomática britânica.
A etapa sobre o Atlântico Norte entre Santa Maria e Bermudas tinha 4.185 quilômetros de extensão, sendo a mais longa do mundo sobre um oceano naquela época. Havia constantes acusações de que os Lancastrian voavam aquela rota com reservas mínimas de combustível, além de necessitarem de uma navegação de grande precisão (e sem apoio algum no caminho) para encontrar as ilhas. Os ventos fortes e contrários, para quem vinha da Europa, tornavam as coisas mais difíceis, e a única alternativa de pouso existente era seguir viagem para Gander, na Terra Nova. Os York não efetuavam essa rota, e os Lancastrian algumas vezes percorriam o Atlântico Norte em outra rota, que ia de Londres a Keflavik (Islândia), Gander (Terra Nova) e finalmente Hamilton (Bermudas). Esta linha alternativa era um pouco mais longa (mais 250 quilômetros), mas as etapas sobre o oceano eram mais curtas e os ventos mais favoráveis permitiam (segundo o folheto original da BSAA) que o tempo total de voo fosse igual ao da linha mais direta, via Açores.
O temperamento especial de Bennet impedia-o de reconhecer, apesar dos acidentes, que havia um problema de segurança, e os pilotos, confiantes na sua liderança e agradecidos por terem um emprego num período de total penúria na Inglaterra, aceitavam a situação.
Apesar das empresas concorrentes já voarem nos confiáveis DC4 e nos rápidos, seguros e pressurizados Constellation, Bennet se mantinha fiel aos produtos britânicos. Logo após a guerra, a fábrica Avro, que produzira o Lancaster e York, lançou para a BOAC um avião pressurizado denominado Tudor. O novo aparelho foi concebido no início para apenas 12 passageiros (com seis tripulantes) e deveria voar rotas sobre oceanos. O Tudor tinha uma fuselagem cilíndrica toda nova, mas empregava ainda as asas e motores do Lincoln, por sua vez um derivado do Lancaster. A evolução do Tudor foi, entretanto, bem tumultuada.
A indústria britânica de aviões comerciais engatinhava e a falta de experiência nessa área provocava problemas de todos os tipos. Após prolongados testes e depois de executadas 343 modificações pedidas pela BOAC, essa empresa o rejeitou por ele não preencher as especificações necessárias para voos transoceânicos. Imediatamente, Bennet, revoltado, fez declarações públicas dizendo que o avião era basicamente bom, e as exigências da BOAC eram infundadas. A British South American Airways já havia encomendado então sete Tudor 4, uma versão um pouco mais longa do avião, com capacidade para 32 passageiros. Segundo Bennet, o Tudor 4 era melhor que o Constellation, uma afirmação comovente por seu patriotismo, mas sem nenhum fundamento técnico.

Os passageiros da BSAA eram principalmente diplomatas e homens de negócios
Em 1947, a linha para a costa leste da América do Sul era operada principalmente pelos York até Buenos Aires. Desta cidade a Santiago, a mesma tripulação que viera desde Londres, voava um Lancastrian que, com um teto operacional mais elevado, podia sobrevoar os Andes, oferecendo tubos de oxigênio aos passageiros.
O modus operandi da BSAA era peculiar e no Rio de Janeiro (onde o voo inaugural pousou com dificuldades no Santos Dumont, pois o Galeão era aeroporto militar) e em outras localidades a falta de rádio compasso obrigava a execução de um problema de pouso diferente dos demais operadores. Segundo relatos da época, era comum
um Lancastrian ou York furar a camada de nuvens fora da barra e sobrevoar a Baía da Guanabara a baixíssima atitude em direção ao Galeão, já então operando voos internacionais. Diplomatas britânicos enviaram relatórios transmitindo reclamações em relação à operação da BSAA, não só do Rio de Janeiro mas também de Montevidéu e Buenos Aires.
Em 1947, a sucessão de acidentes continuou com um York e quatro Lancastrian/Lancaster. Um destes últimos desapareceu com seus passageiros sobre os Andes em 2 de agosto de 1947 e seus restos foram encontrados em janeiro de 2000, ou seja, quase 53 anos depois. Bennet não aceitava críticas sobre os acidentes da BSAA e explicava às autoridades e à imprensa que a Pathfinder Force perdia 10% dos aviões por missão, como se uma ação de guerra fosse comparável a uma operação comercial de transporte de passageiros.
A chegada dos Tudor 4 deveria transformar tudo e redimir a BSAA de todos os seus notórios problemas de segurança. Em 30 de setembro de 1947, o primeiro Tudor 4 (entregue um dia antes) executou um voo de experiência à América do Sul com Bennet nos comandos, com sucesso. Ao entrar em operação, o Tudor deveria voar a 6.000 metros de altitude, onde os ventos contrários eram mais fracos, na rota entre os Açores e as Bermudas. Entretanto, a calefação de bordo entrava em pane frequentemente, obrigando os pilotos a baixar para apenas 600 metros de altitude, onde a pressurização era desnecessária e os ventos contrários eram muito fortes. A rota do Atlântico entre Santa Maria (Açores) e Hamilton (Bermudas) chegava a ser uma verdadeira aventura com o Tudor 4, devido às exíguas reservas de combustível. A 30 de janeiro de 1948, um Tudor 4 denominado Star Tiger (todos aviões da BSAA tinham o nome começado por Star, assim como as aeromoças eram conhecidas por Star Girls) desapareceu antes de chegar às Bermudas, sem deixar vestígios.
Poucos dias depois, as autoridades britânicas suspenderam o certificado de operação dos Tudor 4, até que fossem obtidos maiores esclarecimentos sobre o acidente. Bennet, que já enfrentava forte oposição dentro da diretoria e fora da empresa, deu uma entrevista a um jornal desafiando as autoridades responsáveis pela suspensão dos voos com o Tudor 4, no caso o próprio ministro do Ar. Frente ao impasse, o conselho da BSAA demitiu Bennet de suas funções e Herbert Brackley, que era piloto de hidroaviões na BOAC, foi indicado a assumir a posição antes ocupada por Bennet na BSAA.

O Tudor, apesar dos problemas técnicos, oferecia um nível de conforto comparável aos dos aviões americanos da época
Algumas semanas depois, a comissão de investigação de acidentes autorizou o Tudor 4 a voltar a operar somente voos cargueiros. A diretoria da BSAA, inclusive Brackley, foi inspecionar a produção do Tudor 5, uma versão com a fuselagem mais longa e de maior diâmetro do quadrimotor britânico para 44 passageiros. A BSAA havia encomendado seis Tudor 5 ainda na época de Bennet.
O Tudor 4 recebeu de volta a autorização para transportar passageiros, mas eles não voavam mais entre os Açores e as Bermudas. A rota do Atlântico Norte passou a ser feita através da Islândia e Terra Nova e, ainda assim, nos voos de retorno à Europa o Tudor 4 ficava limitado a 25 passageiros.
Nesta época, o novo presidente da BSAA Herbert Brackley insistia para que a linha do Atlântico Sul fosse executada com hidroaviões. Inclusive, a encomenda do enorme hidroavião turboélice Saunders Roe Princess foi aumentada para sete unidades, reservando quatro para uso da BSAA.
Ainda em 1948, ocorreu na Europa uma crise político-militar que ajudou econômicamente algumas empresas aéreas, inclusive a BSAA. Os russos bloquearam as vias terrestres de acesso a Berlim, levando à criação da chamada Ponte Aérea, uma operação que transportava pelo ar todos os bens possíveis entre diversas cidades da Alemanha Ocidental e a antiga capital do “Reich”. A remuneração oferecida pelo governo britânico para as empresas aéreas era bem compensadora e, além disso, a BSAA recebeu cinco Tudor 5, a preços altamente subsidiados, para operar os serviços.

O anúncio da BSAA publicado em 1947 no Guia Aeronáutico e dois Tudor preparados para atravessar o Atlântico
O Tudor 5, que era uma versão ainda maior do quadrimotor inglês, foi entregue em configuração cargueira e sem pressurização, tendo operado no transporte de óleo diesel para Berlim. Os voos de longa distância com os York, Lancastrian e Tudor 4 continuaram, entretanto, a ser deficitários. Em novembro de 1948, Brackley, que dirigia a BSAA desde o primeiro trimestre daquele ano, morreu afogado numa praia do Rio de Janeiro. Para completar os infortúnios, no início de janeiro de 1949 um York acidentou-se em Caravelas (Bahia), seguido poucos dias depois por outro Tudor 4, que desapareceu entre as Bermudas e a Jamaica, novamente sem deixar traços. No início do mesmo ano, instalações técnicas em Santiago e Keflavik pegaram fogo trazendo grandes prejuízos materiais. E o certificado de transporte de passageiros do Tudor 4 foi novamente suspenso após o último acidente.
Em março daquele ano, foi completado mais um exercício fiscal com crescentes prejuízos (o segundo seguido) e no dia 15 daquele mês foi anunciada a fusão da British South American Airways com a BOAC. Em julho de 1949, todos os bens e todo o pessoal da BSAA foram transferidos para a BOAC.
As linhas da América do Sul passaram a ser operadas principalmente pelo Canadair Argonaut, um DC4 fabricado sob licença no Canadá, com cabine pressurizada e motores Rolls-Royce Merlin. Em 1954, os acidentes com os Comet reduziram a frota da BOAC e obrigaram a remanejar os Argonaut para outras rotas, levando à suspensão das linhas para América do Sul. No final da década, a chegada dos Comet 4 permitiu à BOAC retomar os voos para América do Sul. Hoje, sua sucessora British Airways liga a Grã-Bretanha ao Brasil em seguras viagens sem escalas que levam menos de 11 horas.
A British South American Airways durante pouco mais de três anos de operações utilizou 36 aviões de passageiros, dos quais dez foram perdidos em acidentes. Entre 1946 e 1947, seu índice de mortes por 100 milhões de passageiros voados foi 26,8 vezes maior do que o da BOAC, outra empresa britânica. Na verdade, um em cada 385 passageiros transportados pela BSAA faleceu em acidentes aéreos, o que hoje significaria a morte de um passageiro em cada voo do A340-600, um absurdo total.
O pioneirismo da British South America Airways teve um inegável valor histórico ao levar a bandeira britânica a países da América do Sul. Entretanto, considerando-se as alternativas técnicas da década de 1940, o preço pago tanto em equipamentos como em vidas humanas foi excessivo, demonstrando que a experiência militar precisa ser bem ajustada para se adaptar às necessidades do transporte aéreo comercial.
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