Hoje temos mais uma matéria #TBT do PASSAGEIRO DE PRIMEIRA (ThrowbackThursday)!
Nesta série de relatos, reportagens e avaliações, vamos trazer um gostinho nostálgico para o PP! Mostraremos como era experiência de voar em aviões antigos, reportagens, cias aéreas extintas, curiosidades e muito mais.
Mais uma vez, obrigado a Revista FLAP por compartilhar o acervo conosco!
#TBT desta Semana!
O Do X passou pelo Brasil em meados de 1931, durante uma turnê de demonstração pelas Américas. Desenvolvido na segunda década do século passado para oferecer viagens aéreas com o mesmo luxo e conforto encontrados nos grandes transatlânticos, o aparelho alemão marcou época pelo seu gigantismo.
Esperamos que gostem, confiram!
Por: Mario B. De M. Vinagre
O criador do Do X, Prof. Dr. Claudius Dornier, um dos ícones da indústria aeronáutica alemã, formou-se em engenharia na Universidade de Munique em 1907, iniciando sua carreira na fábrica de dirigíveis Zeppelin Luftschiffbau, em Friedrichshafen, três anos depois.
Engenheiro projetista extremamente talentoso e de grande competência, Dornier logo caiu nas graças do conde Ferdinand Graf von Zeppelin, que então o nomeou como responsável por uma nova divisão experimental, a Zeppelin-Werke Lindau GmbH, onde iria dar vazão à sua criatividade e desenvolver aviões para as forças armadas alemãs durante a Primeira Guerra Mundial.

Nesta foto, o avião está quase pronto para deixar o hangar em que foi construído
Terminada a guerra, Dornier adquiriu a divisão à Zeppelin, rebatizando-a como A. G. für Dornier Flugzeug. Devido às restrições impostas pelo Tratado de Versalhes, que pôs fim ao conflito e limitava a fabricação de aviões na Alemanha a aeronaves de pequeno porte, a empresa teve sua sede mudada para novas instalações localizadas em Altenrhein, no lado suíço do Lago Constança, onde poderia dar prosseguimento às suas atividades sem ser importunada pelos aliados.
Foi lá que, no início da década de 20 do século passado, Claudius Dornier começou o desenvolvimento do Do X, visando produzir um aerobote transoceânico que permitisse transportar passageiros mais rapidamente que os grandes transatlânticos, porém com o mesmo luxo e conforto por eles oferecidos.
Breve descrição do Do X
O Do X era um monoplano totalmente metálico com asa alta semi cantilever. Na sua configuração original, denominada Do X1, possuía 12 motores radiais refrigerados a ar Siemens (Bristol) Júpiter, com nove cilindros e 525 HP cada, equipados com hélices quadripás de passo fixo feitas de madeira.
Os motores estavam instalados em tandem, em naceles e montados sobre pilones com o formato de torres na seção central da asa, próximos ao bordo de ataque. Para inspecionar ou fazer manutenção dos motores, inclusive durante o voo, os mecânicos deslocavam-se internamente pela asa e pelos pilones, cujas portas davam acesso ao extradorso da mesma e aos propulsores.

Cozinha de bordo
Entre os pilones e as naceles dos motores havia uma pequena asa auxiliar, de reduzida corda. Essa asa e os pilones originais foram posteriormente suprimidos quando motores Curtiss Conqueror de 12 cilindros em “V” e de 640 HP, arrefecidos a água, foram adotados em substituição aos Júpiter, o que ocasionou a redesignação do avião como Do X1a. Nessa nova instalação, as naceles dos motores estavam fixadas à asa por meio de montantes em forma de “N”, sendo interligadas horizontalmente por montantes duplos paralelos.
A substituição dos motores originais ocorreu devido à baixa potência dos mesmos, bem como à dificuldade em refrigerar as unidades traseiras, o que restringia o teto de serviço do aparelho. Na prática, durante as viagens de longo curso, o aerobote da Dornier cruzava normalmente entre 10 e 100 metros de altura, utilizando-se do efeito solo, ou seja, colchão de ar gerado entre a sua enorme estrutura e a superfície sobre a qual se deslocava, para voar. Essa técnica seria utilizada muitos anos depois pelos aparelhos denominados ekranoplanos, desenvolvidos na antiga União Soviética.
A asa do Do X tinha formato retangular, com arredondamento nas extremidades. Como superfícies de comando possuía apenas ailerões, que ocupavam metade do bordo de fuga de cada semi asa e eram dotados de superfícies de compensação, de construção e revestimento metálico, instaladas nos seus extradorsos. A asa possuía espessura constante, apresentando afilamento somente nas pontas. Sua estrutura era totalmente metálica, tri-longarina, porém para reduzir o peso ela era quase que totalmente entelada, exceção feita ao bordo de ataque, pilones e passadiço sob os motores, que possuíam revestimento de alumínio. A asa tinha 48 metros de envergadura e área de 486,20 metros quadrados.
A fuselagem, totalmente metálica, média 40,05 metros de comprimento e sua parte inferior formava o casco propriamente dito. O casco era de dois degraus e acompanhava o afilamento da fuselagem na dianteira e traseira. Tinha superfície côncava dos dois lados da quilha, que progressivamente tornava-se quase que plana no final do degrau dianteiro. Na parte traseira do casco, após o segundo degrau, havia um leme direcional para uso n’água.
Em cada lado da seção central da fuselagem estavam instalados enormes flutuadores, posicionados em acentuado ângulo de incidência, cada qual ligado à asa por montantes triplos paralelos. Outros três montantes ligavam os flutuadores à fuselagem. O conjunto todo era reforçado com tirantes de aço.

Cabine de pilotagem do Do X. O tamanho do volante do manche chama a atenção
A fuselagem tinha três passadiços. O passadiço inferior alojava os tanques de combustível e de óleo, com capacidades máximas para 24.600 litros e 1.900 litros, respectivamente, e servia também como depósito de equipamentos, incluindo os de marinharia, que ficavam na parte dianteira. O passadiço do meio funcionava como compartimento de passageiros e de bagagens, com acomodações padrão para 66 pessoas em voos de longa distância, muito embora pudesse transportar mais de 100 em etapas curtas. Possuía cabines dormitório, banheiros, salas de leitura e de fumantes, bar, cozinha e sala de jantar, na qual eram servidas as refeições em prataria e porcelana especialmente desenhadas para uso no avião. O menu e o serviço de bordo eram primorosos e de fazer inveja a restaurantes de renome internacional.
Por fim, o passadiço superior abrigava a cabine de controle, para dois pilotos, a cabine pessoal do comandante da aeronave, os compartimentos de rádio e de navegação, a casa de máquinas e os alojamentos da tripulação. (Obs: a casa de máquinas ficava atrás da cabine de pilotagem e, como nos navios, era dela que se controlava os motores). A empenagem era constituída dos lemes vertical e direcional, mais estabilizador horizontal e profundores, estes últimos dotados de compensadores metálicos nos extradorsos.
O conjunto todo formava uma falsa estrutura biplana, montada na parte superior traseira da fuselagem, que era interligada entre si e à fuselagem por meio de montantes reforçados com estaiamento em cabos de aço. As partes fixas da empenagem eram revestidas com chapas metálicas e as móveis tinham estruturas metálicas revestidas com tela.

Richard Wagner, piloto chefe da Dornier, aos comandos do Do X
O Dornier Do X original tinha peso vazio de 28 toneladas, peso normal carregado de 48 toneladas e peso máximo carregado de 52 toneladas (29, 52 e 56 toneladas, respectivamente, na versão equipada com motores Curtiss Conqueror). Seu desempenho incluía velocidade de cruzeiro de 175 quilômetros por hora, velocidade máxima de 211 quilômetros por hora e alcance de 1.000 quilômetros (com motorização Curtiss essas velocidades eram de 190 e 216 quilômetros por hora, respectivamente, e o alcance de 1.700 quilômetros).
Construção e primeiro voo
No segundo semestre de 1926 a Dornier iniciou a montagem dos três únicos Do X que veriam à luz do dia: o Do X1, custeado com verbas oriundas do RVM – Reischs-verkehrsministerium (Ministério dos Transportes do Reich); e os Do X2 e X3, encomendados pela empresa de transporte italiana S. A. Navi-gazione Aerea (Sana).
Em 12 de julho de 1929, após consumir 262 mil horas/homem de trabalho, o primeiro Do X finalmente ficou pronto e, apoiado num trolley que deslizava sobre trilhos, foi lançado no Lago Constança. Oito de seus motores foram então acionados e em seguida o aerobote começou a deslizar suavemente sobre a superfície do lago, sob o comando do piloto de provas chefe da Dornier Richard Wagner, para realizar ensaios de motorização, navegabilidade e controlabilidade.

Passageiros embarcam no Do X para voo recordista com 169 pessoas a bordo
Terminados esses ensaios, os quatro motores restantes foram ligados e com todos os 12 propulsores funcionando a plena potência, o Do X fez várias corridas de decolagem, em algumas delas realizando o que se chama em aviação de “saltos de pulga”, nos quais se alçou a poucos metros da água, percorrendo pequena distância no ar antes de voltar à superfície do lago.
Não era ainda o primeiro voo, mas foi o suficiente para deixar a plateia presente em delírio e gerar grande repercussão nas principais rádios e jornais da Alemanha e do resto do mundo, que nas semanas seguintes não se cansaram de enaltecer o grande feito tecnológico germânico.
Três dias depois, com a mesma tripulação e ao peso de decolagem de pouco mais de 35 toneladas, o Do X, portando a matricula D-1929, finalmente realizou seu voo inaugural. Na verdade não apenas um, mas três, de curta duração, sendo que no mais longo deles cobriu a distância de 22,5 quilômetros. Os testes prosseguiram satisfatoriamente nos meses seguintes, com pequenas modificações no casco para melhorar o desempenho de decolagem, mas apesar disso muitas pessoas no governo e na indústria criticavam o programa, alegando que devido ao seu enorme peso o Do X era incapaz de transportar carga útil.

No porto de Amsterdã, cercado de barcos
Para calar a boca dos detratores, Claudius Dornier preparou uma surpresa: mandou remover do avião tudo que fosse supérfluo, fazendo instalar no seu interior cadeiras de vime bem leves. Na manhã de 21 de outubro de 1929, reuniu nas instalações de sua empresa a imprensa e um grande número de convidados e lotou o Do X com 169 pessoas (incluindo dez tripulantes). Em seguida, determinou que o imenso aerobote decolasse. Com peso total de 44,76 toneladas, o Do X ergueu-se então no ar após uma corrida de 50 segundos, subindo vagarosamente até 198 metros de altura, à velocidade de 170 quilômetros por hora, para um voo panorâmico de 53 minutos sobre as cidades de Bregenz, Lindau e Friedrichshafen.
Com isso, Dornier jogou uma pá de cal sobre a polêmica, emudecendo seus críticos e ao mesmo tempo estabelecendo um recorde de número de passageiros transportados, que perdurou por 20 anos! Esse recorde só seria batido em 1949, quando o quadrimotor militar Lockheed Constitution voou com 179 pessoas a bordo.
Após esse feito, o programa de ensaios do Do X seguiu adiante, até que, em 20 de fevereiro de 1930, ele foi homologado pelo DVL-Deutsche Versuchsanstalt für Luftfahrt, centro de ensaios em voo alemão responsável por testar e certificar aeronaves. O Do X foi então transferido ao RVM (Ministério dos Transportes do Reich), que financiara seu desenvolvimento.
Preparativos para a turnê de demonstração
Para testar operacionalmente o Do X, Claudius Dornier planejou uma turnê de demonstração do aparelho que seria iniciada na Europa, passaria pela África Ocidental em direção à América do Sul, visitaria o Brasil e daí prosseguiria até os Estados Unidos, de lá retornando à Alemanha.
Para realizá-la, conseguiu que o RVM lhe emprestasse o avião de graça e deu início imediato aos preparativos para a empreitada. Para melhorar o desempenho do Do X, entre fevereiro e agosto de 1930 substituiu os motores Siemens Júpiter originais por Curtiss Conqueror de 640 HP, emprestados pelo fabricante americano, iniciando os voos
de testes com o aparelho assim modificado em 5 de agosto do mesmo ano.

Parado em rampa improvisada, na Baía de Gando, em Las Palmas
Em seguida, selecionou a tripulação que seria responsável por levar a bom termo a missão. Friedrich Christiansen, ex-oficial aviador naval e herói da Primeira Guerra Mundial, e Fritz Hammer, também ex-oficial aviador naval e diretor do Syndicato Condor, no Rio de Janeiro, se revezariam no comando da aeronave. Horst Merz, piloto-chefe da Lufthansa, e Rudolf Cramer von Clausbruch, piloto-chefe do Syndicato Condor, atuariam como primeiros-oficiais. (Este último teve a distinção de ser o primeiro comandante da aviação comercial brasileira e também o primeiro comandante e diretor técnico da Varig). Eles seriam secundados nessa missão por Clarence Schildhauer, piloto da filial americana do Grupo Dornier, e Walter Diehl, da Dornier alemã.

Fazendo manutenção dos motores a céu aberto
Wilhelm Niemann, ex-oficial navegador de carreira da linha oceânica Hamburgo/América, seria o responsável pela navegação; Otto Eitel atuaria como engenheiro de bordo; Henri Kiel, ex-funcionário da empresa de telegrafia alemã Debeg, cuidaria da radiotelegrafia; e Harvey Brewton, engenheiro da Curtiss Motor Company e representante técnico da empresa americana na Dornier, supervisionaria o funcionamento dos motores.
Complementavam a equipe os mecânicos de bordo Adolf Marquardt, Emil Fischer, Ernst Brombeis, Fredy Schmidt, Heinrich Jäger e o eletricista Josef Dabernig, todos com muitos anos de trabalho na Dornier. Os ensaios da motorização Curtiss terminaram depois de completadas 27 horas e 18 minutos de voo, em 31 de outubro de 1930. Nos dias seguintes, a aeronave foi aprovisionada com todos os itens necessários para o início da missão.

A asa esquerda pegou fogo em Lisboa, o que atrasou ainda mais a turnê
Começa a turnê
Com tudo pronto, em 5 de novembro o Do X partiu de Friedrichshafen com destino a Amsterdã, na Holanda, sua primeira escala na porção europeia do reide. Chegou à capital holandesa as 17h05, tendo percorrido os 768 quilômetros que separavam as duas cidades em 5 horas e 5 minutos. Após amerrissar, o Do X foi recepcionado pelas autoridades locais e cerca de 2.000 pessoas que haviam ido até lá para vê-lo, fato que se repetiria por onde passasse dali por diante.
O aparelho permaneceu em Amsterdã aberto à visitação por cinco dias, nesse período realizando um voo de demonstração de 50 minutos com autoridades e jornalistas. Em 10 de novembro, com 21 pessoas a bordo, o Do X decolou para Calshot, em Southampton, na Inglaterra. Ao chegar nas proximidades de Southampton, juntaram-se a ele 15 botes voadores britânicos da estação aeronaval de Calshot, que o acompanharam em formação até a amerrissagem. O percurso de 554 quilômetros foi coberto em 3 horas e 51 minutos. Na chegada, a tripulação foi recebida com todas as honras pelo Príncipe de Gales e uma multidão de seus súditos.

Curiosos cercam o Do X após sua chegada a Natal
Em Calshot, o Do X realizou dois voos de demonstração com autoridades e a imprensa, num deles tendo a bordo o príncipe Edward e seu séquito. O aparelho partiu para a França na manhã de 14 de novembro, por volta de 11h30, cobrindo o trajeto de 756 quilômetros até Les Barges em 5 horas e 16 minutos.
No dia seguinte, sempre acompanhando a costa, rumou para Bordeaux. Permaneceu na região por vários dias, visitando La Rochelle, a estação aeronaval em Lac d’Hourtin, Pouillac e Blaye, no Gironde. Na manhã de 20 de novembro, decolou de Blaye e, depois de atingir o litoral, desceu pela costa até Santander, na Espanha. Ficou dois dias na cidade, realizando voos de demonstração.
Em 23 de novembro partiu para La Coruña, etapa de 426 quilômetros completada em 2 horas e 41 minutos a uma velocidade média de 161 quilômetros por hora. Seguiram-se três dias de voos de demonstração e visitas ao avião, intercaladas com atividades sociais que as autoridades locais haviam planejado para a tripulação. Finalmente, em 27 de novembro o Do X seguiu para Portugal, chegando em Lisboa no mesmo dia.

Sobrevoando as cercanias do Rio de Janeiro a caminho da capital federal
Problemas em Lisboa
A recepção na capital lusitana foi festiva como nos outros locais que visitara anteriormente, porém em 29 de novembro, enquanto realizava manutenção de rotina no porto da cidade, o Do X teve a entelagem de sua semi-asa esquerda incendiada por uma fagulha proveniente de um gerador DKW, o que ocasionou danos pesados à estrutura metálica da mesma.
O aerobote foi então colocado em doca seca, enquanto aguardava os componentes estruturais que viriam da Dornier, em Altenrhein, para que fossem feitos os reparos. Estes só chegaram cerca de um mês e meio depois, fazendo com que os trabalhos para consertá-lo se estendessem até 24 de janeiro de 1931.

O Do X fundeado na Enseada de Botafogo, com o Pão de Açúcar ao fundo
Nesse dia, depois de permanecer parado por dois meses, o Do X finalmente retornou ao ar, completando um voo de teste de 1 hora e 7 minutos. Nos dias seguintes, foram realizados dois voos de demonstração, que serviram também para verificar se a aeronave estava pronta para iniciar a próxima etapa, que a levaria até a costa ocidental da África.
Às 8h05 da manhã de 31 de janeiro de 1931, o Do X decolou do Rio Tejo (Lisboa) rumando para Las Palmas, nas Ilhas Canárias. O percurso de 1.334 quilômetros foi completado, sem maiores problemas, em 6 horas e 58 minutos, a uma velocidade média de 191 quilômetros por hora. Tinha como passageiros o almirante português Gago Coutinho, que juntamente com Sacadura Cabral realizara em 1922 a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, voando num hidrobiplano Fairey IIID até o Brasil, e o major italiano Giacomo Brenta.

Enorme multidão observa o Do X chegando ao Rio de Janeiro
Em Las Palmas, o Do X recebeu a visita do general italiano Ítalo Balbo e seus oficiais, que no começo de janeiro haviam completado uma travessia do Atlântico Sul e viagem pelo Brasil com uma esquadrilha de 11 aerobotes Savoia Marchetti S-55A. Balbo e seus comandados estavam retornando à Itália de navio, porque os Savoia Marchetti haviam sido vendidos à Marinha Brasileira.
Foi também nesta cidade que Cramer von Clausbruch juntou-se à expedição para atuar como primeiro-oficial (piloto em comando) na travessia do Atlântico Sul e viagem pelo Brasil, em substituição a Clarence Schildhauer, que ocupara essa posição até então.
Acidente em Las Palmas
A má sorte, porém, estava à espreita. Em 3 de fevereiro, ao decolar da Baía de Gando, em Las Palmas, para continuar a viagem, o Do X acidentou-se ao colidir com um vagalhão, o que causou danos de monta à sua estrutura. Como acontecera antes em Lisboa, a equipe de mecânicos teve que esperar longo tempo pelas peças que vinham da Alemanha. Por esse motivo, a aeronave permaneceu em Las Palmas por quase três meses até que o serviço fosse completado.
Em 30 de abril fez um voo de testes de 50 minutos para checar se tudo estava em ordem e no dia seguinte, 1º de maio, desceu para Villa Cisneros, no Saara Ocidental. De lá, no dia 3 de maio, seguiu para Bolama, na Guiné Bissau, completando o percurso de 1.500 quilômetros em 8 horas e 42 minutos.
No dia 10, decolou para Cabo Verde, de onde faria a travessia rumo ao Brasil, mas foi obrigado a descer em Bubaque, no Arquipélago das Bijagós, para reparar pequenas avarias ocorridas na decolagem. Devido a isso, e a condições climáticas adversas, ficou retido na região por mais 20 dias. O tempo parado foi gasto em trabalhos de manutenção e voos de ensaio em clima tropical. Para esses voos a tripulação abastecia o Do X com a maior quantidade possível de combustível, para ver com que peso ele conseguiria decolar nas altas temperaturas da região para fazer a travessia. Foram ensaiadas decolagens com pesos máximos variando entre 52 e 55,5 toneladas.

Sobrevoando o centro do Rio, durante a permanência na Cidade Maravilhosa
Enfim, às 6h40 de 30 de maio, decolou de Bubaque, tomando a proa de Dacar, no Senegal, de lá fletindo noroeste para Porto Praia, no Cabo Verde, onde chegou após cobrir o percurso de 1.163 quilômetros em 6 horas e 57 minutos. Em Porto Praia a tripulação descansou e preparou o avião para a grande travessia rumo ao Brasil, que aconteceria poucos dias depois.
Rumando para o Brasil
No dia 4 de junho o Do X decolou para Fernando de Noronha, com peso de 52,37 toneladas, levando em seu bojo 21 toneladas de combustível e óleo, dez tripulantes e dois passageiros. Durante o percurso, manteve inicialmente velocidade de cruzeiro de 177 quilômetros por hora e altitude de apenas 10 metros, para beneficiar-se do efeito solo. À noite, como medida de segurança, passou a voar a 25 metros de altura.
Na travessia do Atlântico Sul cruzou com vários navios que vinham da Europa ou a ela retornavam, entre eles o transatlântico francês Lutetia, que rumava para o Brasil e tinha entre seus passageiros o inventor e pioneiro da aviação Alberto Santos-Dumont.

Fazendo a troca de motor em Belém, na viagem de ida para a América do Norte
O aparelho alemão chegou a Fernando de Noronha na madrugada de 5 de junho, cobrindo o trecho de 2.324 quilômetros, o mais longo que voara até então, em 13 horas e 15 minutos. Os 370 quilômetros restantes que separavam Fernando de Noronha de Natal, no Rio Grande do Norte, foram completados no mesmo dia, em 2 horas e 20 minutos. O Do X chegara finalmente a território continental brasileiro!
A parte brasileira da turnê
Depois da correria dos meses anteriores, chegar ao continente foi um alívio para a tripulação, que aproveitou as temperaturas mais amenas do inverno brasileiro, nas duas semanas seguintes, para descansar e fazer manutenção de rotina no avião, nos intervalos entre essas atividades ciceroneando as pessoas que o visitavam.
A porção brasileira da turnê foi iniciada em 18 de junho, tendo como destino o Rio de Janeiro. As primeiras etapas cumpridas nessa jornada foram Natal/Maceió (AL) e Maceió/Salvador (BA). Em 19 de junho decolou para Caravelas (BA) e ainda no mesmo dia rumou para Araruama (RJ). Pernoitou em Araruama e no final da manhã do dia 20, um sábado, partiu direto para o Rio de Janeiro, onde chegou por volta das 13h00.
A entrada na Baía de Guanabara, onde amerrissou depois de sobrevoar a cidade, foi triunfal e causou o maior frenesi na população, que acorrera em massa à Enseada de Botafogo para testemunhar a chegada do tão falado colosso alemão, que vinha sendo objeto de manchetes diárias nos principais jornais impressos e radiofônicos brasileiros desde que deixara a África com destino ao país.
Na ausência do presidente da República, que atendia a outro compromisso, a tripulação do Do X foi recebida com as pompas de praxe pelo prefeito da cidade e demais autoridades. Seguiu-se à chegada uma concorrida recepção de boas-vindas no Hotel Payssandu.
Posteriormente, a tripulação foi recebida em palácio pelo presidente Getúlio Vargas, que fez saber ao comandante Christiansen que gostaria de fazer um voo no avião. Enquanto esteve no Rio, o Do X realizou cinco voos locais com convidados e jornalistas. O voo com o presidente da República foi adiado várias vezes, devido ao mau tempo.
Finalmente, quando o tempo melhorou, ele, sua esposa, a filha e os ministros do Exército, da Fazenda, da Marinha, da Viação (Transportes) e mais alguns auxiliares diretos voaram no avião. Completados os voos de demonstração previstos, a aeronave foi colocada em dique seco nos Estaleiros Caneco, na Ponta do Caju, para ser submetida a uma revisão antes de reiniciar viagem.
A presença do Do X na capital federal marcou o ápice da parte brasileira da
turnê. Porém, depois de um mês e meio na Cidade Maravilhosa, era chegada a hora de o grande aerobote recomeçar sua viagem, que o levaria até os Estados Unidos.

Voando sereno rumo aos Estados Unidos
Participariam da mesma, para fazer a cobertura jornalística, os repórteres Lourival N. de Almeida, redator de assuntos de aviação do Jornal do Brasil, e Robert G. Aspinall, do grupo americano Hearst. Na véspera da partida, o comandante Friedrich Christiansen e sua tripulação ofereceram um coquetel de despedida no próprio Do X, como uma forma de agradecer às autoridades civis e militares o apoio recebido durante a estada na cidade.
Por fim, na manhã de 5 de agosto, o “transatlântico alado” alemão levantou voo do Rio com destino a Caravelas e Salvador, trecho de 1.417 quilômetros completado em 7 horas e 50 minutos. Na manhã seguinte, voou de Salvador a Maceió, e da capital alagoana até Natal, percorrendo essas duas etapas em 5 horas e 37 minutos. No dia 7, voou de Natal a Camocim (CE), em 4 horas cravadas. Ficou fundeado próximo à Estação Ferroviária para ser reabastecido e em seguida rumou para São Luís (MA), completando a etapa até lá em 2 horas e 16 minutos.
Saiu para Belém na manhã de 8 de agosto, lá chegando após um voo de 3 horas e 36 minutos. Na capital paraense, um dos motores apresentou pane e em decorrência disso a aeronave ficou retida na cidade até que ele fosse substituído. Feita a troca do motor, foi realizado um voo de teste e, como tudo estava funcionando a contento, a tripulação preparou-se para partir.
Seguindo do Brasil para os Estados Unidos
Na manhã de 18 de agosto o Do X deu adeus ao Brasil, decolando de Belém com destino a Paramaribo, no Suriname, dando início assim a sua jornada rumo aos Estados Unidos. Os 1.320 quilômetros que separavam as duas cidades foram completados em 6 horas e 50 minutos, a uma velocidade média de 194 quilômetros por hora. No dia seguinte, 5 horas e 5 minutos foi o tempo que necessitou para finalizar o trecho de 1.007 quilômetros até Port of Spain, em Trinidad e Tobago.

Enorme quantidade de pessoas compareceu ao terminal aeromarítimo da Curtiss para ver o Do X
As próximas etapas foram St. Johns, na Antígua, e San Juan, em Porto Rico, totalizando 1.198 quilômetros cobertos em 7 horas e 42 minutos, em 20 de agosto. Decolou para Cuba no dia seguinte, perfazendo o percurso de 1.056 quilômetros até lá em 5 horas e 56 minutos. Por fim, em 22 de agosto, o Do X chegou aos Estados Unidos, tendo feito a perna final de 778 quilômetros entre Cuba e Miami em 4 horas e 21 minutos, à velocidade média de 179 quilômetros por hora.
Tio Sam curva-se ao Do X
Em Miami, o Do X ficou atracado no terminal aeromarítimo da Pan American (Dinner Key), em Coconut Groove, que ainda se encontrava em construção e onde hoje está instalada a prefeitura local. Os dois dias de permanência na cidade foram gastos em atividades sociais, voos locais com autoridades e celebridades, e preparativos de praxe para a continuação da viagem. Durante esse período, 4.000 pessoas visitaram o avião. O clímax da viagem aos Estados Unidos, entretanto, ocorreu em 2 de setembro, quando a tripulação do Do X foi recebida na Casa Branca, em Washington, capital do país, pelo presidente Robert Hoover.
Retornando à Alemanha
Às 5h10 da quinta-feira, 19 de maio, o Do X tirou suas 53 toneladas das águas da Baía de Manhasset, em Nova Iorque, dando início à viagem de regresso à Alemanha. Levava 14 pessoas a bordo, incluindo dois passageiros. Ao adentrar a Alemanha pelo Mar do Norte, foi saudado por tiros de canhão das baterias costeiras e acompanhado pelo resto do trajeto por grande quantidade de hidroplanos e aviões terrestres.

Recepção festiva em Berlim após o retorno da turnê
A chegada ao Lago Müggelsee, depois de permanecer um ano e meio fora do país, foi triunfal e maior em intensidade talvez a recebida em Nova Iorque. Milhares de pessoas, a pé ou em barcos e lanchas, aguardavam a aeronave e seus tripulantes no ponto de atracação. Do ponto de vista de publicidade, o giro internacional tinha sido um tremendo sucesso, porém, da perspectiva comercial, fora um fracasso. O tamanho exagerado do avião, seu apetite insaciável por combustível e o alto custo operacional tornaram-no simplesmente invendável e quase quebraram a Dornier.
Turnê alemã
O contrato de empréstimo do Do X formalizado entre a Dornier e o RVM (Ministério dos Transportes) expirou em 23 de junho de 1932 e o avião foi transferido então ao DVL (Centro de Ensaios em Voo). Entrementes, as autoridades aeronáuticas haviam resolvido que o Do X faria um giro de demonstração pela Alemanha antes de retornar ao seu berço em Altenrhein.
Partindo da ideia para a prática, deram início imediato à turnê, tendo como ponto de partida Berlim. A primeira cidade visitada foi Stettin, em 23 de junho, e a última Zurique, na Suíça, em 14 de novembro. Foram visitadas 31 cidades em quatro meses e 23 dias. Após permanecer parado por algum tempo, as autoridades aeronáuticas alemãs decidiram empreender uma nova excursão, que pretendia levar o Do X até Istambul, na Turquia.

Mapa com o roteiro da turnê pela Europa e Américas
Com essa finalidade em mente, a aeronave foi “transferida” à Lufthansa, que orgulhosamente pintou seu nome em ambos os lados da fuselagem dianteira e iniciou os preparativos para a missão. Durante um voo de testes em 29 de abril de 1933, apenas dez dias antes do início previsto da nova turnê, o piloto-comandante Horst Merz arredondou demais o avião ao amerrissar no Rio Danúbio, próximo a Passau, e em vez de sentar sobre o casco bateu fortemente com a parte traseira da fuselagem na água, quebrando a empenagem.
O Do X foi reparado e chegou a realizar mais alguns voos, porém seu novo proprietário, o Reich Luftfahrt Ministerium (Ministério da Aeronáutica do Reich), decidiu aposentá-lo definitivamente. Ao encerrar sua carreira, o Do X havia completado 270 surtidas, 53.532 quilômetros voados e 322 horas e 7 minutos de operação.

O Do X com o nome da Lufthansa pintado na dianteira da fuselagem decola para um voo de teste em preparação para a planejada turnê à Turquia
Fim da linha
O Do X original foi aposentado em outubro de 1934, sendo desmontado e doado, em maio do ano seguinte, ao Deutsche Luftfahrtsammlung Berlin (Museu de Aviação de Berlim), que se encontrava então em fase de construção.
O museu foi inaugurado em junho de 1936 e logo no hall de entrada exibia com grande destaque o Dornier Do X D-1929, como exemplo para a posteridade do pioneirismo e competência tecnológica alemã no campo aeronáutico.
Durante um bombardeio aliado a Berlim em novembro de 1943, um impacto direto de uma bomba de grande calibre infelizmente destruiu o avião, dando um triste fim ao outrora orgulhoso gigante alado! As peças da empenagem quebrada no acidente em Passau, que permaneceram em Altenrhein depois do avião ser reparado, são tudo o que restou do Do X e encontram-se em exibição no Museu Dornier, em Meerburg.

O que sobrou do Do X depois que uma bomba atingiu o museu
No Brasil, o Museu Aeroespacial da FAB, localizado no Campo dos Afonsos (RJ), possui em seu acervo uma hélice quadripá original e também uma maquete metálica do Do X. Esta última foi doada ao Musal em 1976, é confeccionada em chapa de alumínio pintada de prateado e mede 2,40 metros de envergadura, 2,10 metros de comprimento e 37 centímetros de altura, pesando 15 quilogramas. A maquete pertenceu à Cruzeiro do Sul
(ex-Sindicato Condor) e foi vista muitos anos atrás por Carlos Dufriche, nas antigas oficinas da empresa na Ponta do Caju, pouco antes daquelas instalações serem definitiva-mente fechadas.
Obs: O autor gostaria de agradecer aos amigos Carlos Dufriche, Joseph Kovács e Heinz Plato pela ajuda prestada na elaboração deste artigo.
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Cultivar a memória da aviação também é uma das finalidades do nosso site, e para realizar esse velho sonho nosso, fizemos uma parceria com a Flap Internacional, a maior e mais importante revista de aviação da América Latina, que está completando 56 anos de existência, e que possui um acervo único com mais de um milhão de fotos e documentos, garimpados em feiras especializadas no exterior, permitindo agora, aos leitores do Passageiro de Primeira, se inteirarem da aviação comercial antiga no Brasil e no mundo.
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Serie #TBT do Passageiro de Primeira!
- BRANIFF AIRLINES – Folheto promocional da cia (1960)
- Avaliação Concorde Air France: Paris-Dacar-Rio (1970)
- História da Pan American Airways – PAN AM!
- Os grandes momentos do Zeppelin no Brasil
- Conheça o avião LAÉCOÈRE 631 e seus planos para voos na América do Sul
- Conheça o padrão de serviço da American Airlines nos anos 30!
- Webjet – Do inicio até a compra pela GOL
- TRANSBRASIL – O fim do arco-íris
- A história da JAL e o adeus ao Brasil
- Swissair: qualidade Suíça no céu brasileiro
- Animais em extinção: a história da Aerosur
- A história da BRA: um cometa na aviação brasileira
- O conforto a bordo dos grandes hidroaviões argentinos
- O luxo nos aviões da Air France
- O arco-íris que não chegou ao Brasil
- A passagem do Comet pelo Brasil
- Pantanal – O último voo do Tuiuiú
- SAS no Brasil
- Fokker 100: uma presença marcante no Brasil
- O outro braço da Transbrasil
- Pluna deixou saudades no Brasil
- DC-10 Pioneiro da era Wide-body no Brasil
- Boeing 737-200 All Pax no Brasil
- Total, excelência regional
- TRIP: uma viagem em sua história
- O MD – 11 em céus brasileiros
- Boeing 727 – Super 200
- Boeing 737-400 e 737-500 no Brasil
- Rio Sul: a tradição gaúcha de cor azul
- Aerovias Brasil – O elo pioneiro entre os Estados Unidos e o Brasil
- One-Eleven – O introdutor da Vasp e da Transbrasil na era do jato puro
- Panair, o orgulho verde e amarelo do Brasil
- Stratocruiser, um palácio nos céus do Brasil
- British South American Airways – pioneirismo ou temeridade?
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