#TBT – Electra no Brasil

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Por Equipe

Hoje temos mais uma matéria #TBT do PASSAGEIRO DE PRIMEIRA (ThrowbackThursday)!

Nesta série de relatos, reportagens e avaliações, vamos trazer um gostinho nostálgico para o PP! Mostraremos como era experiência de voar em aviões antigos, reportagens, cias aéreas extintas, curiosidades e muito mais.

Mais uma vez, obrigado a Revista FLAP por compartilhar o acervo conosco!


#TBT desta Semana!

Hoje vamos relembrar a história da Electra – que tem nome de super-heroína e fez história nos ares do Brasil, comandada pela Varig.

Esperamos que gostem, confiram!


Por: Mário B. M. Vinagre

Nos quase 30 anos que operaram no Brasil, dos quais por 16 reinaram absolutos na ponte aérea, os Electra não tiveram um acidente fatal sequer e atingiram a invejável posição de segundo aparelho de maior longevidade na aviação comercial brasileira, suplantados apenas pelo lendário Douglas DC-3.

Gênese

O Lockheed L-188 Electra surgiu da neces­sidade que algumas empresas aéreas tinham de atender rotas de curtas e médias distâncias, nas quais os jatos puros eram antieconômicos, e também para substituir modelos a pistão mais lentos e fazer frente ao Vickers Viscount, quadrimotor turboélice inglês que estava obtendo grande sucesso de vendas e havia sido escolhido por algumas transportadoras americanas.

As especificações originais do Electra foram geradas inicialmente pela American Airlines, em 1954, e refinadas no ano seguinte por essa mesma companhia e pela Eastern Airlines, que precisava também de um avião similar para atender à sua rede de rotas.

O projeto da Lockheed em resposta a essas especificações previa uma aeronave tracionada por quatro motores turboélice Allison 501 de 3.750 SHP, similares aos utilizados no C-130 Hercules, que então estava entrando em produ­ção, e capaz de transportar entre 85 e 90 passa­geiros a uma velocidade de cruzeiro de mais de 600 km/h, com um alcance superior a 4.000 km.

Anúncio da Lockheed sobre o Electra publicado na revista Visão de 15 de agosto de 1958.
Coleção José Mazur Filho.

Em 8 de junho de 1955, a American Airnes fez a encomenda inicial que lançou o programa, ao comprar 35 desses aviões, batizados pela Lockheed como L-188 Electra.

Àquela encomenda inicial, seguiu-se em 27 de setembro de 1955 uma da Eastern Airlines, para 40 aviões. Um mês depois era iniciada a construção do primeiro dos quatro protótipos que iriam participar do programa de ensaios e homologação do novo modelo.

Nos dois anos seguintes, o crescente interes­se despertado pelo avião fez com que a Lockheed registrasse várias novas encomendas. À época em que ficou pronto o primeiro protótipo, no final de 1957, a carteira de pedidos do Electra já somava 129 encomendas de seis companhias aéreas americanas (American, Braniff, Eastern, National, Pacific Southwest e Western), além de três estrangeiras (KLM, da Holanda, primeira do exterior a encomendá-lo; Garuda, da Indonésia; e Cathay Pacific, de Hong Kong).

O primeiro protótipo do Electra, matriculado N1881, realizou seu voo inaugural em 6 de dezembro de 1957, a partir das instalações da Lockheed em Burbank, na Califórnia, tendo aos seus comandos o piloto de provas chefe da companhia, Herman Fish Salmon. O voo terminou sem maiores problemas em Palmdale, onde seria centralizado todo o programa de ensaios do Electra.

O segundo e o primeiro protótipos do Electra voando em formação sobre os céus da Califórnia.
Foto: Lockheed Martin, via Mário Vinagre.

Em rápida sucessão juntaram-se a ele, durante 1958, os outros três protótipos: o segundo (N1882) em fevereiro, o quarto (N1884) em abril e o terceiro (N1883) em agosto. Com isso, o programa de ensaios e certificação entrou em ritmo acelerado e, em 22 de agosto do mesmo ano, a Lockheed recebia da Civil Aviation Agency, hoje Federal Aviation Administration (FAA), o certificado de homologação de tipo para o Electra, atestando que o novo turboélice estava apto a entrar em operação comercial no transporte de passageiros.

Homologado o novo avião, começaram as entregas. A Eastern foi a primeira empresa aérea a receber o Electra, em 8 de outubro de 1958, o que aumentava os custos industriais do progra­ma e, por conseguinte, o seu ponto de equilíbrio financeiro. Inicialmente calculado em 190, ele já pulara para 215 aviões.

Electra na vistosa pintura da Eastern Airlines, primeira companhia aérea a introduzi-lo em serviço.
Foto: Lockheed Martin, via Mário Vinagre.

Infelizmente para a Lockheed, esse quadro foi piorado por dois acidentes fatais causados por falha estrutural em vôo, ocorridos em setembro de 1959 e março de 1960, envolvendo aviões de propriedade da Braniff e da Northwest Airlines.

Em que pese o clamor da opinião pública para que o Electra fosse retirado de serviço, a FAA decidiu apenas impor uma restrição de velocidade aos aviões em operação, que não poderiam voar a mais de 418 km/h. Essa decisão baseava-se na suposição de que as cargas aerodi­nâmicas menores, no voo mais lento, evitariam outros acidentes até que se apurassem as causas dos dois mencionados.

Após meses de investigação, descobriu-se que ambos haviam sido causados por um fenô­meno chamado whirl mode, ocasionado pelo balanço dos motores nos seus montantes quando perturbados, por exemplo, por uma sacudidela causada por turbulência.

A vibração assim originada era propagada às naceles dos motores e destas para a asa, que começava a fletir. Essa flexão atingia tal amplitu­de que fazia com que ela literalmente batesse, rompendo-se na sua junção com a fuselagem, num processo que levava menos de um minuto. Seguia-se a isso a desintegração e a queda final do aparelho.

A solução para o problema foi reforçar os montantes, as naceles dos motores e as longarinas da asa, bem como adotar chapas de alumínio de maior espessura para o revestimento do intradorso e extradorso da mesma.

Quem gerou a especificação original do Electra e o primeiro que o encomendou foi a American Airlines.
Foto: Lockheed Martin, via Mário Vinagre.

Com isso, foram levantadas as restrições impostas pela FAA e os Electra voltaram a operar normalmente. A essa altura, porém, a imagem do avião já estava bastante desgastada, além do que a Lockheed não recebia novas encomendas para o modelo desde novembro de 1960.

Como resultado, a produção do Electra foi encerrada após a fabricação de apenas 170 aeronaves, em fins de 1961, com prejuízos estimados para a Lockheed, em dinheiro da época, de 112 milhões de dólares.

Resolvidos os problemas de infância, o Electra desenvolveu notável carreira na aviação comercial. Hoje, decorridos mais de 40 anos de sua introdução em serviço, existem ainda cerca de 100 desses aviões em operação ao redor do mundo.

Talvez um dos mais atraentes esquemas de Pintura adotados para o Electra tenha sido este da Ansett-Ana, da Austrália.
Foto: Lockheed Martin, via Mário Vinagre.

O Electra no Brasil

O Electra surgiu no cenário da aviação comercial exatamente num período de radical transformação, ao final dos anos 50, quando ela passava das antiquadas aeronaves a pistão para os aviões a jato puro.

Embora consumissem muito mais combustí­vel que os aviões tradicionais, e isso não era problema então, pois o combustível era extrema­mente barato, os aviões a jato tornaram-se o padrão de referência para o transporte aéreo por razões óbvias: eles voavam mais rápido, reduzin­do o tempo das viagens, e ofereciam vôos mais suaves e confortáveis por operarem a grandes altitudes, acima do mau tempo.

Isso, aliado à ampla repercussão negativa resultante dos acidentes causados por falhas estruturais, levou algumas empresas americanas a decidir desfazer-se, no início da década de 60, de parte de suas frotas de Electra, menos de três anos após tê-los colocado em serviço.

O PP-VJN na final para o pouso em Congonhas.
Foto: Gianfranco Beting.

Dentre essas companhias estava a American Airlines, que havia adquirido da Lockheed 35 desses turboélices que transportavam um máximo de 98 passageiros a uma distância de 4.500 km, voando a uma velocidade de cruzeiro de 650 km/h.

A primeira empresa aérea brasileira a mani­festar interesse pelo Electra foi o Lóide Aéreo, que em 28 de janeiro de 1959 solicitou ao Departamento de Aviação Civil (DAC) autoriza­ção para importar quatro desses aviões, desistin­do dos Vickers Viscount que pretendia inicial­mente comprar.

O DAC, porém, negou o pedido do Lóide. Isso porque eles haviam importado, não fazia muito, quatro Douglas DC-6A, que sequer operaram, arrendados que foram tão logo chega­ram ao país à Panair do Brasil. Em verdade, o Lóide jamais utilizou esses aviões, que foram depois passados à Vasp, quando esta adquiriu aquela empresa.

Por essa mesma época, a Real estava interes­sada em substituir três Super H Constellation e, como resultado, assinou um contrato com a American Airlines para a aquisição de igual número de Electra.

Os Cmtes. Plato e Moscoso e os engenheiros
de vôo Arteiro e Klein (da esquerda para a direita) trouxeram o primeiro
Electra da Varig.
Coleção Coryntho Silva Filho.

Posteriormente, com a absorção da Real pela Varig, esta última não apenas confirmou a encomenda inicial, como também ampliou-a para um total de cinco aviões. O primeiro deles, matriculado PP-VJM, chegou ao Brasil em 2 de setembro de 1962, depois de um vôo de translado de três dias, tripulado pelos Comandantes Plato e Moscoso, e os engenheiros de vôo Arteiro e Klein, que o transladaram desde a base da American, em Tulsa, no Oklahoma, até o aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

Em 30 de agosto de 1962, em Tulsa, Oklahoma, EUA, o Cmte. Bordini (esquerda) recebe do representante da American Airlines o primeiro Electra da Varig, o PP-VJM.
Coleção Coryntho Silva Filho.

O voo tinha escalas previstas em Miami e Port of Spain. Após a decolagem de Miami, houve uma falha total do sistema estático da aeronave, que teve que retornar àquele aeroporto após alijar todo o combustível. Sanado o problema, o PP-VJM decolou para cumprir a etapa final do translado – o trecho Port of Spain/Congonhas -, que teve a duração de 7 horas e 48 minutos, um recorde para a época.

Viajaram como passageiros nesse voo o futuro presidente da Varig, Hélio Smidt, mais o Sr. Araldo Kluwe e os Comandantes Bordini, Renato Contins e Ray Plunket, este último piloto da American Airlines que iria ministrar treina­mento de voo no Brasil.

A Varig introduz o Electra ao público na revista
O Cruzeiro de 1º de dezembro de 1962.
Coleção José Mazur Filho.

O voo inaugural do Electra foi realizado pelo mesmo PP-VJM, na rota Rio/Nova York, em 25 de setembro de 1962. No trecho Rio/Port of Spain, ele foi tripulado pelos Comandantes Sellos e Radwansky, e na etapa Port of Spain/ Nova York (ldlewild), pelos Comandantes Plato e Moscoso.

Pessoal da Varig e da American Airlines defronte ao Electra PP-VJM antes da partida para o Brasil. Notar que o avião está em puro metal polido, sem pintura.
Coleção Coryntho Silva Filho.

Até o final de 1962, a Varig já havia recebido todos os demais Electra da encomenda original, que além do PP-VJM, incluía ainda o PP-VJL, o PP-VJN, o PP-VJO e o PP-VJP.

Este último teve a infelicidade de ser o único Electra acidentado com perda total no Brasil, durante operação de pouso em Porto Alegre, em 5 de fevereiro de 1970, quando realizava um voo local de treinamento. O acidente não teve vítimas, porém o aparelho foi canibalizado para fornecer peças para os demais aviões na frota.

Seguindo-se ao voo inaugural, a partir de outubro de 1962 a Varig começou a operar regularmente os Electra nas rotas São Paulo/ Rio/Belém/Port of Spain/Santo Domingo/Nova York, com frequência semanal; São Paulo/Rio/ Manaus, duas vezes por semana; e São Paulo/ Rio/Recife/Fortaleza, três vezes por semana. Além disso, ela utilizava os Electra em voos para Montevidéu e Buenos Aires.

O PP-VJM taxiando em Congonhas.
Foto:Mário Vinagre.

A serviço da ONU

No dia 31 de outubro de 1962 um fato curioso ocorreu com o Electra PP-VJL, que pernoitava em Nova York. Ele foi requisitado pela Organização das Nações Unidas para ir buscar em Havana o secretário geral da ONU, U Thant, que lá se encontrava negociando a retirada de mísseis soviéticos instalados em Cuba, que se constituíam em real ameaça aos Estados Unidos, no célebre episódio que passou à historia como a Crise dos Mísseis.

O PP-VJL foi requisitado pela ONU para buscar em Cuba o secretário geral UThant.
Foto: Vito A. Cedrini.

Nessa missão especial, o PP-V JL teve como tripulantes os Comandantes Plato e Padovani, o engenheiro de voo Werner e o navegador Nicásio. Por se tratar de zona de conflito, eles concordaram em realizar o voo após receber um rádio da Varig confirmando a contratação de um seguro especial, tendo como beneficiárias suas famílias, feito em caráter emergencial no Lloyd’s de Londres.

O voo Nova York/Havana/Nova York teve a duração de 9 horas e 42 minutos e, dada a importância da missão, após a decolagem de Havana, caças americanos escoltaram o avião brasileiro até Nova York, com espaço aéreo na rota interditado para qualquer outra aeronave.

Voo da Amizade

A partir de 1965, quando a Varig absorveu a Panair do Brasil, os Electra passaram também a fazer o chamado Voo da Amizade, que ligava São Paulo a Lisboa, via Rio de Janeiro, Recife e Ilha do Sal. Este voo, o RG 856, tinha frequência semanal, e fato interessante era que no trecho Recife/ Ilha do Sal, percorrido em cinco horas e meia, a navegação era feita com o auxílio de sextante.

O primeiro Voo da Amizade foi realizado em 22 de novembro de 1965 pelo Electra PP-VJO e tinha como tripulantes, no trecho internacional, os Comandantes Gilson, Schilling e Holst (reserva).

Para a realização dos Voos da Amizade a Varig utilizava duas tripulações técnicas, uma que fazia o trecho nacional da rota e outra responsável pelo trecho internacional, a partir de Recife. Além da tripulação normal, constituída por comandante, primeiro-oficial e engenheiro de voo, era padrão levar-se um piloto reserva e também um navega­dor. Outro fato curioso era a utilização de tripula­ções de cabine mistas, com comissários(as) da Varig e da TAP (Transportes Aéreos Portugueses).

A frota cresce

O Electra mostrou-se um avião extremamente apreciado pelos passageiros, tripulantes e pessoal de manutenção, além de bastante adequado à rede de rotas da companhia gaúcha que, aos poucos, foi adquirindo exemplares adicionais para comple­mentar a sua frota desses aparelhos.

Dentre esses estão o PP-VJU, o PP-VN e o PP-VJW, comprados da American Airlines e incorporados à frota, o primeiro em 1967 e os dois últimos em 1968.

Recém-chegado do Rio, o PP-VJU encaminha-se para o desembarque.
Foto: Gianfranco Beting.

Em 1970 chegaram mais três aparelhos, o PP-VLC, também comprado da American, e os dois únicos Electra cargueiros que a Varig possuiu, o PP-VLA e o PP-VLB, ambos adquiridos da Northwest Airlines.

Estes últimos receberam do fabricante a designação L-l 88PF, o sufixo PF (Passenger/ Freighter) indicando a sua conversão para o transporte de passageiros ou carga.

Esses aviões tinham uma ampla porta de carga no lado esquerdo dianteiro da fuselagem e não possuíam o salão, ou lounge, localizado na parte traseira da cabine e que era uma característica dos Electra somente de passageiros operados pela Varig.

O PP-VJU foi um dos quatro Electra usados na ponte sem o nome e o logotipo da Varig. Ele é visto aqui em Congonhas, em julho de 1978. Foto: Mário Vinagre.

Embora utilizados durante um certo período exclusivamente no transporte de carga paletizada, principalmente na rota para Manaus, ambos foram posteriormente transferidos para uso apenas no transporte de passageiros.

Algumas das rotas servidas pelos Electra no começo dos anos 70 incluíam Rio/São Paulo/Foz do Iguaçu/ Assunção, Rio/Porto Alegre, Rio/São Paulo/Curitiba/Porto Alegre, Rio/Belo Horizonte/ Brasília e Rio/Brasília/Rio/Belo Horizonte, com voos diários. Além destes, havia voos nas rotas São Paulo/Rio/Brasília/Teresina/São Luís/Belém/ Santarém, com duas frequências semanais, e Porto Alegre /Curitiba /Brasília /Salvador /Aracaju/ Maceió/ Recife/ João Pessoa, uma vez por semana.

A adição de aparelhos mais modernos e econômicos para operar as rotas nacionais da empresa, levou a Varig a retirar os Electra desses serviços, destinando-os, a partir de março de 1975, a operar exclusivamente na ponte aérea, da qual se tornaram o equipamento padrão.

Na ponte aérea

Desde a sua criação, em julho de 1959, a ponte aérea fora servida por vários tipos de aviões, dentre esses os Convair 240, 340 e 440, Saab Scandia, Vickers Viscount, Handley Pagc Herald, Avro 748 e NAMC YS-11, com variadas capacidades de passageiros, pertencentes às empresas que faziam parte do pool operacional.

A introdução dos Electra como equipamento exclusivo da ponte, em março de 1975, permitiu a padronização da frota, resultando em redução nos custos de combustível e manutenção, com consequentes ganhos de escala. Todavia, o número de assentos disponíveis para cada empresa remanescente no sistema (Varig, Cruzeiro, Transbrasil e Yasp) foi recalculado proporcional­mente à participação de cada uma no mercado.

Independente disso, os Electra eram sempre operados por tripulantes técnicos da Yarig. com pessoal de cabine fornecido pela empresa que originasse o vôo. Se fosse um voo da Transbrasil. as comissárias eram da Transbrasil; se fosse um da Vasp, as comissárias eram da Vasp, e assim por diante.

Entre 1975 e 1979, pelo menos quatro Electra – PP-VLC, PP-VJN, PP-VJU e PP-VJW – foram utilizados na ponte aérea na pintura básica da Yarig, porém sem o nome e o logotipo da empresa gaúcha. Provavelmente a ideia por trás dessa prática, resultado de um “acordo de cavalheiros” entre as operadoras do pool, era não destacar individualmente qualquer uma delas, tendo em vista que o serviço era conjunto.

Problemas de logística, porém, levaram ao abandono dessa prática, os quatro aviões citados sendo posteriormente repintados no esquema completo da Yarig.

Na segunda metade da década de 70, chega­ram mais dois Electra que a Varig foi buscar na Colômbia para atender ao aumento da demanda de assentos na ponte aérea. Esses aviões, o PP-VLY e o PP-VLX, foram comprados da Aerocondor, reformados nas instalações da Varig em Porto Alegre e introduzidos em serviço em 1977.

O Electra PP-VLX realizou o último vôo regular na ponte aérea.
Foto: Mário Vinagre.

Outros dois aparelhos, os últimos desse tipo que a Varig acrescentaria à sua já então numerosa frota de Electra, foram localizados no Equador e trazidos para o Brasil na segunda metade dos anos 80. Eram eles o PP-VNJ e o PP-VNK, parte de um lote de quatro aviões de propriedade da Transportes Aéreos Militares Ecuatorianos (Tame) que se encontraram desativados e sem condições de voo.

Da mesma maneira que os procedentes da Colômbia. todos os quatro foram reformados em Porto Alegre, sendo que o PP-VNJ e o PP-VNK passaram à propriedade da Yarig. como pagamen­to pelos serviços executados nos outros dois aviões. que retornaram à Tame.

Com esses. e incluindo o aparelho que teve perda total em Porto Alegre. em 1970. somaram 15 os Electra adquiridos e operados pela Yarig.

Na ponte, os Electra chegaram a sustentar uma média de 66 voos diários com partidas a cada 15 minutos e se necessário, faziam ainda voos extras. Essa frequência diminuía nos finais de semana. quando geralmente os voos eram realizados somente de hora em hora.

Com a introdução em serviço, em 6 de dezembro de 1991, dos Boeing 737-300 na ponte aérea, os dias dos Electra estavam conta­dos. Seus últimos voos regulares ocorreram em 5 de janeiro de 1992, data na qual o PP-VLX realizou o derradeiro voo (Vasp VP651) com passageiros pagantes na ponte aérea, no trecho Rio/São Paulo.

Para celebrar sua impecável ficha de serviço e também o encerramento de suas atividades na ponte, a Varig organizou quatro voos oficiais de despedida do Electra, para o qual foram convida­das conhecidas personalidades dos meios jornalístico, artístico, político e de negócios, além das diretorias das empresas que participa­ram do pool operacional.

Estes voos ocorreram em 6 de janeiro de 1992 e foram realizados pelos Electra matrículas PP-VJN e PP-VJO, que com poucos minutos de intervalo decolaram do Rio de Janeiro para São Paulo e, posteriormente, de São Paulo para o Rio de Janeiro. Fizeram os voos de despedida no PP-VJO os Comandantes Goldenstein e Conceição, mais o engenheiro de voo Anísio.

A tripulação do VJO nos vôos de despedida. De cima para baixo: Cmtes. Goldenstein e Conceição, engenheiro de vôo Anísio e comissárias.
Foto: Coryntho Silva Filho.

O ciclo operacional do Electra foi fechado com números bastante expressivos, que dão bem conta do que foi a sua vida no Brasil. Segundo dados fornecidos pela Varig, durante sua carreira no país, a frota de Electra acumulou 777.140 horas de voo, com 736.806 pousos. Além disso, estima-se que eles percorreram nada menos que 217 milhões de quilômetros – equivalentes a 17 .500 voltas ao redor do globo ou, ainda, a 560 viagens à Lua – e que transportaram 33,6 mi­lhões de passageiros, consumindo ao longo de sua vida na Varig 952 milhões de litros de querosene de aviação.

Nos quase 30 anos que operaram no Brasil, dos quais por 16 reinaram absolutos na ponte aérea, os Electra não tiveram um acidente fatal sequer e atingiram a invejável posição de segundo aparelho de maior longevidade na aviação comercial brasileira, suplantados apenas pelo lendário Douglas DC-3.

Electra no museu

Num gesto de respeito e carinho, e também para que futuras gerações possam avaliar o que foi a carreira desse avião no Brasil, a Varig resolveu doar um Electra ao Museu Aeroespacial da Força Aérea Brasileira (Musal).

O aparelho escolhido para tal fim foi exatamente o primeiro Electra a chegar ao Brasil, o PP-VJM, que havia realizado seu último vôo comercial (VP634) em 29 de dezembro de 1991, cumprindo uma perna Rio/São Paulo, ao fim da qual seu log book registrava um total de 57.858 horas de voo e 59.154 pousos. Em 7 de maio de 1992, ele foi transladado pelos Comandantes Lott e Buchrieser, mais o engenheiro de voo José Aparecido, autênticos representantes de toda uma geração que voou o Electra, até a sede do Musal, no Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro, onde se encontra em exibição pública. Ao que se saiba, este é o único exemplar do Electra, no mundo, preservado num museu de aviação.

Deixando o Brasil

Após a sua desativação, os 13 Electra remanescentes foram todos transferidos para as instalações da Varig, no aeroporto de Congonhas, de onde saíam para revisão e pintura em Porto Alegre, conforme iam sendo vendidos.

Eles foram vendidos originalmente às empresas Air Spray (um avião), do Canadá, Interlink (dois aviões), Blue Airlines (quatro aviões), FilAir (quatro aviões) e New ACS (dois aviões), todas do Zaire.

O primeiro a deixar o Brasil foi o PP-VLY, rematriculado 9Q-CRM, destinado à New Air Charter Service (New ACS), que partiu em 17 de outubro de 1992. O último foi o PP-VNK, rematriculado 9Q-CDU, da FilAir, que deixou o país em 7 de março de 1994.

O 90-CRM (exPP-VLY), nas cores da New ACS, do Zaire, foi o primeiro Electra ex-Varig a deixar o Brasil.
Foto: Martin Bernsmuller.

Dos Electra vendidos, pelo menos quatro já foram sucateados, a saber: o 9Q-CCV (ex-PP­VJV ), da Trans ServiceAirlift, acidentado em Kinshasa, Zaire, em 21 de janeiro de 1994; o 9Q-CGD (ex-PP-VLA), da FilAir, acidentado em Angola em julho de 1994; o 9Q-CDG (ex-PP- VJU), da Blue Airlines, acidentado em Kinshasa em 13 de março de 1995; e, por fim, o 9Q-CDL (ex-PP-VLC), da Blue Airlines, que consta haver sido desmontado em Kinshasa em 1995.

Além destes, pelo menos outros seis encon­tram-se parados: o 9Q-CDK (ex-PP-VJL), da Blue Airlines; o 9Q-XCU (ex-PP-VJO), da FilAir; o HR-AMM (ex-PP-VJW), da Interlink Congo; o 9Q-CUU (ex-PP-VLB), daFilAir; o 9Q-CRM (ex­PP-VLY), da New ACS; e o HR-AML (ex-PP­VNJ), da Interlink Congo.

Pessoal da Varig junto ao 90-CDU (ex PP-VNK), da FilAir, em Porto Alegre. Este foi o último Electra a deixar o Brasil.
Coleção: Coryntho Silva Filho.

Um Electra executivo

Além dos Electra da Varig, um outro apare­lho desse tipo operou no Brasil, na década de 70, como avião executivo do industrial Francisco Baby Pignatari.

O avião era o L-188C nº de série 1112. Fabricado originalmente para a companhia aérea americana Northwest Airlines, ele foi vendido após dez anos de uso à International Skyways Inc. Esta última chegou a negociá-lo com a Midwest Airlines, que, no entanto, desistiu de comprá-lo.

Em 4 de outubro de 1971 a Pignatari Administração, Indústria e Comércio adquiriu-o por 530 mil dólares. Seu translado para o Brasil, na rota Miami/Georgetown/São Paulo (Congonhas), onde chegou em 26 de novembro de 1971, foi feita pelo Comandante Tolla, que hoje voa MD-11 na Yarig, juntamente com um comandan­te da Ecuatoriana de Aviación, que era checador de Electra em sua empresa e também na FAA.

O aparelho estava configurado com luxuoso interior executivo para até 28 pessoas. Possuía confortáveis poltronas, mesas de trabalho e reunião, toaletes, bar, copa/cozinha, amplo salão com sofá e projetor de cinema, na parte traseira da fuselagem, e suíte privativa de Pignatari, equipada com cama e toalete com banheira em cobre. Além disso, estava equipado com sistema de navegação inercial e possuía tanques extras de combustível que lhe conferiam autonomia bem maior que a dos Electra operados pela Yarig.

Vista parcial, no sentido de vão, do luxuoso interior do Electra de Pignatari. Arquivo Flap Internacional.

Apresentava na deriva o logotipo do Grupo Pignatari e recebeu no Brasil a matrícula PT-DZK. Ficava baseado em Congonhas e sua manutenção era feita pela Varig. Sua tripulação era constituída do Comandante Cyrano, briga­deiro da reserva da FAB, que encerrara sua carreira como instrutor de Electra na empresa gaúcha, e do já citado Comandante Tolla.

O PT-DZK começou a operar regularmente para o Grupo Pignatari em fevereiro de 1972 e permaneceu no país por pouco mais de quatro anos, durante os quais voou apenas cerca de 310 horas. Durante esse período chegou a cumprir diversas missões ao exterior, notadamente para a Argentina, Paraguai, Uruguai e Equador, além de Estados Unidos.

O último voo do aparelho no Brasil ocorreu ao final de 1973, na rota Petrolina/ Congonhas, tendo como tripulantes o Coman­dante Cyrano, o Comandante Paulo Costa e o engenheiro de voo Guilherme.

Devido aos problemas por que passava o Grupo Pignatari, o PT-DZK permaneceu estocado a céu aberto por longo tempo, durante o qual não recebeu qualquer manutenção, exceto pelo funcionamento dos motores, que eram religiosa­mente acionados pelo pessoal da Varig uma vez por semana, para mantê-los em condições de voo.

Cabine de comandado PT-DZK. Arquivo Flap lntemacional.

Como o Electra não estava mais sendo utilizado, o Grupo Pignatari decidiu vendê-lo. O negócio foi fechado pelo valor de 443 mil dólares com o broker americano Omni Aircraft Sales, que enviou então ao Brasil um advogado e dois tripulantes, estes últimos ex-coronéis da Usaf, que haviam combatido na 2ª Guerra Mundial e na Coréia, para cuidarem da papelada e do translado do avião para os Estados Unidos.

Por possuir matrícula brasileira, o translado do avião tinha necessariamente que ser feito por uma tripulação brasileira. Sendo a Yarig a única empresa que operava o Electra no país, nada mais natural que os americanos recorressem a ela para fornecer-lhes a tripulação.

As instalações da secretária no PT-DZK, com confortável poltrona e mesa com máquina elétrica IBM.
Arquivo Flap Internacional.

E foi assim que, por determinação da chefia de operações da Varig em São Paulo, dois tripulantes de Electra – o Comandante Ponzoni, que hoje voa MD-11, e o engenheiro de voo Amâncio – foram retirados da escala de serviço e designados para apoiar os americanos e fazer o voo de translado.

Com a papelada do avião toda pronta, após cumpridas as exigências legais, ficou acertado que o PT-DZK deixaria o Brasil com destino aos Estados Unidos no sábado de Carnaval, 28 de fevereiro de 1976. A rota prevista levaria-o de São Paulo diretamente a Antigua, no Caribe, e de lá até o destino final, no Texas.

Na data acertada, a tripulação brasileira preencheu um plano de voo IFR, apresentou-o no setor de operações do aeroporto de Congonhas e, juntamente com o advogado e os dois coronéis americanos, seguiu para o avião.

Na cabine de comando, o Comandante Ponzoni tomou o assento da esquerda e um dos pilotos americanos o da direita. Ponzoni digitou as coordenadas do voo no sistema inercial do Electra e já tinha começado os procedimentos para dar partida nos motores quando um veículo da Varig encostou próximo ao nariz do avião e o motorista acenou-lhe para descer.

Ao ir ter com o motorista, este informou-­lhe que não poderia decolar e que ele e o engenheiro de voo Amâncio deveriam apresen­tar-se de imediato ao escritório de operações da empresa.

Os dois tripulantes da Varig relataram aos pilotos americanos o que se passava, o que os deixou extremamente irritados, e conduzidos pelo motorista rumaram para o setor de operações da companhia, deixando os três americanos no avião.

Lá chegando, Ponzoni e Amâncio foram terminantemente proibidos de fazer o voo pelo chefe de operações da base São Paulo, pois não havia sido providenciado o seguro de vida e nem cumpridas outras formalidades legais para que ambos pudessem realizar a missão.

Entrementes, sem que eles soubessem, os pilotos americanos acionaram os motores do Electra, solicitaram autorização à torre de controle e decolaram… para nunca mais voltar!

Sobre a reação imediata das autoridades à decolagem do Electra há duas versões diferentes, perpetuadas de boca em boca, ao longo dos anos. Na primeira, afirma-se que se tentou acionar a FAB para interceptar o avião, mas como era sábado de Carnaval não foi encontrada nenhuma autoridade militar para autorizar a missão.

Na segunda, diz-se que o Cindacta foi acionado e a Base de Anápolis teria colocado um Mirage em alerta, com o motor funcionando, para interceptar o Electra, cuja rota passava por Brasília. Porém, nenhuma autoridade da FAB autorizou a missão, que poderia resultar na desmo­ralização do governo brasileiro, caso o avião se recusasse a pousar, ou em grave crise com o go­verno dos Estados Unidos, se ele fosse derrubado.

Assim, livre e desimpedido, o PT-DZK conti­nuou sereno o seu voo sobre território nacional até atingir Antigua, no Caribe, onde fez uma escala técnica antes de prosseguir viagem rumo aos Estados Unidos.

Anúncio da Allison veiculado na Flap Internacional novembro/dezembro de 1991, quando o Electra estava sendo retirado de serviço.

Posteriormente, já então rematriculado como NSLG, ele foi vendido pela Omni à Aero Associates, que o arrendou em dezembro de 1976 à igreja Cathedral ofTomorrows.

Anos depois, já na década de 80, este mesmo Electra visitaria o Brasil, trazendo a bordo o pastor Rex Humbard, criador da referida igreja e da fundação que leva seu nome, The Rex Humbard Foundation.

A título de epílogo, cabe mencionar o que se passou com a tripulação brasileira posteriormente. A saída intempestiva do PT-DZK do Brasil causou o maior rebuliço e as autoridades do Ministério da Aeronáutica queriam a todo custo achar um culpado para o grotesco episódio.

Embora a tripulação da Varig não fosse res­ponsável pelo ocorrido, o Departamento de Aviação Civil (DAC) tentou puni-la pelo inciden­te. Inicialmente, um oficial da FAB baseado em São Paulo ameaçou prender o Comandante Ponzoni. Por sorte, ele conhecia o chefe do DAC, no Rio de Janeiro, que após escutar ao telefone suas explicações sobre o fato, interveio para que ele não fosse preso.

Independente disto, Ponzoni recebeu do DAC um Deveis Informar (no jargão dos pilotos é o nome dado ao documento do DAC solicitando informações e que começa sempre com o preâmbu­lo Deveis informa…), que pedia esclarecimentos sobre o assunto e foi por ele, posteriormente, devidamente respondido.

Graças ao Suboficial Bertolucci, da FAB, que trabalhava em Congonhas, descobriu-se que o PT-DZK decolara I hora e 30 minutos depois de preenchido o plano de vôo IFR, que pelo regulamento do DAC só tem validade de 30 minutos. Ou seja, preenchido o plano de voo IFR e não sendo feita a decolagem dentro do prazo de 30 minutos, para ter validade legal o plano de voo tem que ser revalidado.

No afã de achar um bode espiatório, consta que a culpa recaiu, então, sobre o suboficial que operava a torre de Congonhas, que liberou o avião para decolagem depois de vencido o prazo de vigência do plano de voo.

A Varig despede-se do Electra neste anúncio da Flap Internacional de novembro! dezembro de 1991.

Enfim, a verdade toda sobre este episódio provavelmente jamais será conhecida, a não ser que as partes envolvidas, após passados todos estes anos, decidam vir a público esclarecer a questão.

O autor agradece aos amigos Coryntho Silva Filho, Martin Bernsmiiller, Carlos Dufriche, Lineu Carneiro Saraiva, aos Comandantes Cyrano e Ponzani e ao Sr. Keith Mordoff, da Lockheed/Martin, pela ajuda prestada na elaboração deste artigo.

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